Na pele de comentador político - não de dirigente do PS que coordenou o programa eleitoral, como se essa fosse uma "encomenda" que satisfez dentro do prazo, libertando-se a partir de então do vínculo ao "cliente" - António Vitorino lançou um sibilino apelo à intervenção de Belém, perante a vaga de "coligações negativas" contra o Governo que anda por aí à solta.
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De seguida, umas quantas figuras de segundo plano do PS deram sequência à estratégia. Um deputado aludiu até ao "funcionamento das instituições", supostamente posto em causa pelo comportamento da Oposição.
Por enquanto, o PS só apalpa terreno. Há-de chegar a hora em que a pressão sobre o presidente subirá na hierarquia, sendo assumida pelo próprio Governo (o ministro dos Assuntos Parlamentares já anda lá perto). Os socialistas só passarão a essa fase, porém, quando sentirem que a opinião pública assimilou a ideia de que Sócrates está a ser impedido de governar.
É política em estado puro, o que a situação de maioria relativa proporciona. Não se trata de avaliar a dimensão da perda de receitas para o Estado que a revogação de diplomas causa, mas de assegurar a detenção do poder efectivo. O Governo sabe que não pode cair na tentação de precipitar a ruptura antes de o PSD eleger novo líder. E a Oposição também sabe que, se a esticar muito, a corda parte, que ao Governo interessa levar o conflito a um ponto cuja saída seja a convocação de eleições, às quais se apresente como vítima.
É neste contexto que devem ser lidos os apelos a que Cavaco Silva saia do casulo majestático. A história dá tantas voltas que não pode furtar-se à ironia. A duas ironias, mais concretamente. A primeira consiste no facto de os socialistas pedirem ao homem que ainda recentemente lhes atirou à cara que o andavam a escutar para pôr a Oposição na ordem. A segunda prende-se com o passado do presidente, que já esteve na posição de Sócrates, de primeiro-ministro sem maioria absoluta, entre 1985 e 1987.
Os tempos mudaram, bem se sabe. Cavaco encontra-se hoje num labirinto em que todas as saídas estão armadilhadas, porque qualquer gesto será sempre interpretado como favorável a um dos campos. E também não pode refugiar-se na omissão, à espera que a tempestade amaine.
O silêncio, que se esforça por manter, talvez fosse, vista a coisa do seu lado, a melhor das receitas - ainda que a um "árbitro" se exija que apite, perante a falta. Acontece que, mesmo que não abra a boca, é obrigado a opções com inevitáveis leituras políticas. Se promulgar diplomas aprovados pela Oposição, dá mais pretextos ao PS para agitar o papão da ingovernabilidade. Chumbando-os, é a sua família política, circunstancialmente de mãos dadas com outras forças, que lhe cai em cima.