O segundo mandato do presidente da República tem gerado poucos elogios e muitas críticas. Cavaco Silva potencia análises para todos os gostos, quer quando está em ação silenciosa (nos bastidores, diz ele), quer quando resolve abrir a boca sem jeito.
Corpo do artigo
As linhas fraturantes do comportamento do presidente são por norma abordadas sem ter em conta o seu perfil psicológico e, já agora, marcas inamovíveis geradas pelo seu passado. Pecha gritante: Cavaco Silva nunca é avaliado pelo seu vínculo de praticante de atletismo entre 1958 e 1963. E é relevante esse dado, sobretudo quando não andou a calcorrear ruas armado em maratonista ou se dedicou à velocidade pura e dura nas pistas. Não. O atual presidente da República, envergando a camisola do CDUL, foi um emérito especialista em 110 metros barreiras, tendo-se sagrado vice--campeão nacional em 1963 com mais três centésimos de segundo que o seu recorde pessoal (16.1).
Claro, os anos passaram, mas Cavaco Silva não renegou o gosto. E o envelhecimento ativo leva-o a manter exercícios, sempre com o fito do sucesso na chegada à meta. Só por esquecimento ou ignorância os profissionais da opinião publicada - em jornais, televisões, rádios, blogues - não foram capazes, por exemplo, de descodificar a preocupação do agendamento do Conselho de Estado de anteontem para perspetivar o pós- -troika. E como é fácil perceber o raciocínio de Cavaco Silva: junho de 2014, a data prevista para o fim do programa de resgate de Portugal, funciona como uma meta!
A experiência de vida de Cavaco Silva, mais ou menos pendente da fé, acaba por fazê-lo repercutir no país o pensamento do barreirista convicto do sucesso: ultrapassar sucessivos obstáculos até ao corte da linha de meta.
Acredite-se: o presidente da República visiona barreiras só possíveis de suplantar pela conjugação da boa técnica e do esforço.
O primeiro (e sério) obstáculo, logo após o taco de saída, dispensar--se-ia, mas é incontornável: a existência de uma coligação governamental marcada pelas diferenças - ideológicas mas também de caráter e experiência entre os protagonistas do PSD e CDS-PP. Como um atleta reformado convertido em treinador, a Cavaco Silva fica reservada a espinhosa missão de os convencer ao conserto de posições.... E como é difícil o papel do presidente da República!
Estando presente um juiz atento a tudo (a troika), até junho de 2014 a influência de Belém acaba por transformar uma especialidade do atletismo em espargata!
São muitas as barreiras, de facto. O défice exigido para 2013 (5,5%) só por milagre será cumprido; o Orçamento do Estado de 2014 será marcado pela necessidade de reorientar as contas e aprofundar a austeridade para 4% de défice - e esse é mais um momento crítico. E há, na panóplia de angústias, os reflexos das eleições autárquicas deste ano; os efeitos imprevisíveis do desconcerto social; a intriga e o namoro pegado da Oposição para tentar descolar Paulo Portas do Governo. E, e...
O vice-campeão nacional dos 110 metros barreiras em 1963 é sabedor de todos os perigos - e procurará fintá-los em nome do seu próprio sossego. Até por ser demasiado idoso e não se ver a ficar com a criança nos braços. Sim, tem esperança numa safa decorrente do 22 de setembro, data em que, na Alemanha, vai Angela Merkel a votos, mas até junho de 2014 viverá de coração nas mãos. São demasiados os imponderáveis capazes de levar ao trambolhão numa das barreiras....