Como se já não tivesse problemas de sobra, o país arranjou agora um novo entretenimento: foca-se no colorido das manifestações, quase sempre orquestradas e para as quais não faltam marionetas, e compara comportamentos dos detentores principais dos cargos do Poder.
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Três simples dias bastaram para alimentar comparações de valentia.
Quinta-feira, o presidente da República deixou a falar com o cavalo do Gary Cooper uma manifestação urdida por estudantes fedelhos da Escola António Arroio. Cavaco Silva, duro de rins para enfrentar contrariedades, cancelou em cima da hora a visita programada àquele estabelecimento de ensino. Dispondo da mais baixa taxa de popularidade alguma vez atribuída a um inquilino do Palácio de Belém, somou mais um erro num mandato talhado para uma atuação interventiva e abriu espaço para os seus críticos lhe apontarem ainda mais baterias - como se o país lucrasse algo com um presidente em retiro ou, pior, através de um cenário de abdicação.
Ao não enfrentar o grupo de contestatários, misto de convicções e má educação tornada marioneta, Cavaco Silva meteu um golo na própria baliza.
O tal novo jogo nacional reiniciou-se entretanto ontem, em Gouveia, tendo Passos Coelho por contraponto.
Na atual situação de penúria do país só um tonto ficaria surpreso se houvesse falta de maquinações ativistas e protestativas sempre e quando o primeiro-ministro se coloca a jeito. Inteirado, pois, do previsível ambiente hostil, desta vez montado na base de sindicalistas e comissões de utentes contra o pagamento de portagens, Passos Coelho não deu meia volta. Fez peito. Dirigiu-se aos manifestantes, pôs um andar compreensivo, deu-lhes umas palavrinhas a abater e, de modo involuntário, potenciou a competição e as comparações.
Ora aí está (até ver...) o marcador de um novo e tonto desafio nacional: Cavaco Silva, 0 - Passos Coelho, 1. A vantagem só podia ser mesmo de quem não cometeu nenhum erro tático de palmatória.
Chegados a este ponto, talhado para horas e horas de comentários televisivos assinados pelos tudólogos do costume, o que vale a pena reter de positivo desta compita tonta?
Sinceramente, é difícil descortinar alguma vantagem palpável para o país deste exercício nacional de medição de valentia entre o presidente da República e o primeiro-ministro. Quando muito, e em avaliação esforçada, fica um "fait divers" para alimentar o circuito das costumeiras intrigas (anónimas, como manda a moda).