Nem dissolução da Assembleia da República e concomitante marcação de eleições legislativas, nem aceitação do modelo de governo recauchutado para tentar remediar faltas de dimensão de Estado associadas a irresponsabilidade pura e dura da coligação PSD-PP. A comunicação de ontem à noite do presidente da República saiu da tradicional zona de conforto na qual é visto e acabou por surpreender tudo e todos.
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De uma só assentada, e em nome de um "compromisso de salvação nacional", Cavaco Silva ensaiou um modelo de rutura para tentar combater a grave crise política, económica e social por que passa o país. E o cardápio é de truz! Em várias alíneas.
A afamada estabilidade sempre defendida pelo presidente da República passa por eleições antecipadas após o fim do programa de assistência financeira - em junho de 2014. Simplesmente, não pretende a ida a votos dos portugueses através de discursos eleitorais vendedores de banha de cobra. Não, Cavaco Silva quer previamente um compromisso (pós- -troika) dos partidos do arco da governação para o país. Ou seja: "amarrando" o Partido Socialista, pretende a retoma do tripé de entendimento necessário à saída do país do atoleiro no qual está metido antes de o cheiro a novo poder inebriar os do costume.
O raciocínio do presidente da República está correto. Ter consequências práticas é outra conversa.
O nível de alta exigência a médio prazo é entretanto pouco compaginável com o curtíssimo prazo.
Juntando o anúncio de legislativas para o próximo ano ao chumbo do "lifting" proposto pela atual coligação, Cavaco Silva não se limitou a dar provas de não perdoar o modo como o PSD e o PP o apunhalaram, sobretudo após o discurso parlamentarista do último 25 de Abril. Retirado o formalismo tradicional, Cavaco Silva pôs Passos Coelho como primeiro-ministro transitório. E cuja tendência tem tudo para acabar na mera gestão, no caso de o líder do PSD juntar o presidente da República a Paulo Portas no grupo de sujeitos a quem já não está para aturar mais.
Para todos os efeitos, é complexo perceber como um governo desacreditado ou a caminho da porta de saída pode ter força para negociar com a troika e preparar o Orçamento do Estado de 2014....
O sistema político prevê, obviamente, outras saídas. Incluindo a de um governo de iniciativa presidencial, sujeito à viabilização pela Assembleia da República. Um sarilho, embora não faltem os candidatos a cópias do italiano Mario Monti.
Sim, os cenários são muito complexos, mas para todos os efeitos o presidente da República reocupou o centro da decisão política. É tempo de os dirigentes dos partidos políticos ganharem juízo....