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Há dois anos as comemorações dividiram-se entre Lisboa e Paris; o ano passado, entre o Porto, São Paulo e Rio de Janeiro; este ano, as cerimónias repartem-se entre Ponta Delgada e Boston. Eis um modo diferente de celebrar o 10 de junho. No Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, o presidente da República quer estar com o povo e nisso tem contado sempre com a companhia cúmplice do primeiro-ministro.
A ideia de um país que ultrapassa um território físico para se constituir como uma realidade que abraça toda a diáspora lusa foi uma convicção que sempre acompanhou Marcelo Rebelo de Sousa. Por isso, não faria sentido celebrar o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades apenas em chão nacional, nem tão-pouco distinguir somente um grupo restrito de notáveis das elites costumeiras. A data teria de ser celebrada com os portugueses. E as distinções deveriam ser entregues a quem, em determinado momento, soube representar o melhor de nós. Marcelo Rebelo de Sousa conseguiu ser disruptivo em relação a celebrações anacrónicas que, embora descentralizadas, mais não faziam do que arrastar uma certa corte da capital para o chamado país real. Marcelo impôs uma nova forma de celebrar Portugal. E nisso foi sempre acompanhado pelo Governo.
10 de junho de 2016. A manhã soalheira começava com um certo aparato militar em pleno Terreiro do Paço, regressando ali umas comemorações que haviam sido interrompidas há 43 anos sob a presidência de Américo Tomás. Numa intervenção de oito minutos, Marcelo Rebelo de Sousa proferiu um dos seus maiores louvores ao povo lusitano: "quando a pátria é posta à prova, é sempre o povo quem assume um papel determinante", declara, para mais à frente afirmar: "foi o povo quem, nos momentos de crise, soube compreender os sacrifícios e privações em favor de um futuro mais digno e mais justo. O povo, sempre o povo, a lutar por Portugal". Esse povo estará presente em Paris, representado pelos quatro gardiens portugueses, condecorados pelos presidentes português e francês, na sala de receções do antigo Hôtel de Ville, coração da comuna de Paris no séc. XIX e agora sede da Câmara.
10 de junho de 2017. As comemorações arrancam na Foz do Porto onde o presidente profere um discurso em 5 minutos. Fala da necessidade de um país livre e independente e louva as comunidades portuguesas espalhadas pelo Mundo, ou seja, "desse outro Portugal que nos faz universais" e que devem estar "mais presentes nas nossas leis, nas nossas decisões coletivas, na nossa economia, mas sobretudo na nossa alma". O povo, sempre o povo, como "leitmotiv" de discursos e de gestos. Sobretudo, como chão propício para os afetos que este presidente tanto gosta de cultivar.
10 de junho de 2018. As cerimónias decorrerão no domingo entre Portugal e os Estados Unidos, mas em Ponta Delgada as comemorações já arrancaram ontem à noite. Por estes dias, a cidade açoriana assume-se, como já sublinhou o presidente da Autarquia, "a capital da nação portuguesa". É isso que o presidente da República quer: tornar o centro deste dia um lugar nómada e, se possível, arrastá-lo para bem perto do povo. Aquele que vive em território nacional e aquele que se espalha pela diáspora. É esse imenso território espiritual que Marcelo quer enlaçar. Com a companhia do primeiro-ministro.
Por estes dias, o otimista realista e o otimista irritante vão andar sorridentes lado a lado. De Paris, retivemos o episódio em que Costa abriga Marcelo sob um guarda-chuva onde lê a palavra Fidelidade. A inscrição era apenas uma marca publicitária, mas o discurso mediático depressa lhe juntou outros significados. De São Paulo, fixámos a frase do presidente de que "só dança quem está na roda e quem está na roda quer estar na roda". A tirada visava somente reagir ao cancelamento de um encontro com o presidente do Brasil, Michel Temer, mas é sempre possível desviar o referente. Aguardemos, pois, as memórias que resultarão destas comemorações. Que serão preenchidas pelo afeto do presidente e pela boa disposição do primeiro-ministro. Porque ambos sabem que isso é um modo eficaz de fazer política.
* PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO