Keynes é hoje um nome célebre por causa da expressão "no longo prazo estamos todos mortos". Escrita em 1923, a frase é um pouco mais extensa: "O longo prazo é um guia enganador para os assuntos correntes. No longo prazo estamos todos mortos. A tarefa dos economistas é demasiado fácil e inútil se, em tempos tempestuosos, apenas nos podem dizer que, quando a tempestade passar, o oceano estará de novo calmo".
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Keynes não podia adivinhar como, mais de 80 anos depois, a situação económica lhe daria razão ao ponto de, nalguns casos, a propaganda da sua doutrina se ter tornado numa obsessão. Tantas são as dificuldades, as maleitas, as desgraças que se anunciam que apetece parafraseá-lo para dizer, agora, que "no curto prazo estaremos todos mortos".
Então em Portugal todos esses problemas se transformam em calamidades. Responsáveis já há. Em escritos vários, ilustres plumitivos da nossa praça, descobriram que se não houvesse políticos, financeiros e especuladores estaríamos no melhor dos mundos. Políticos, financeiros e especuladores. Sem excepção. "Os" é o artigo usado. Não alguns, nem a maioria. Com análises tão profundas e fundamentadas como a que me permitiria dizer que os sociólogos são incompetentes. Os. Não alguns, nem sequer a maioria.
Ficam-se, como de costume, pela análise. Nada sugerem de alternativo. Não é da sua responsabilidade. Deleitam-se com o exercício intelectual da crítica.
Não viria daí mal ao mundo se não tivessem palco e eco na praça pública. Têm-no. O prestígio de alguns parece fornecer o garante de legitimidade para propostas populistas, extremistas, de uma cor ou outra, que, explícita ou sub-repticiamente, vão fazendo o seu caminho.
Políticos, financeiros e especuladores. Culpados! Por menos do que isso já se fizeram golpes de estado. Segundo alguns, militares disponíveis já há. Seria cómico, uma república de coronéis como a Grécia dos anos 60, se não fosse uma tragédia. Coronéis despromovidos por já não ganharem tanto como um professor catedrático ou um conselheiro. A democracia tem destas coisas!
Políticos, financeiros e especuladores. Culpados! Aumentem-se salários. Não se deixe ninguém ir para o desemprego. Garanta-se que todas as empresas, menos os bancos, não encerram. Dupliquem-se as reformas. Baixem-se os impostos. Em Portugal, até os ateus (sobretudo eles?) acreditam em milagres. Os milagres é que estão a dar. Milagres, já! Prosperam igrejas, partidos e profetas que os anunciam. A utopia realizada. Não importa como.
Se esta oferta de visões prospera tem de haver procura para as mesmas. Constituída por todos aqueles que o actual modelo económico excluiu, marginalizou, desvalorizou, rebaixou. Frustrando expectativas, amplamente anunciadas. Inevitavelmente, nuns casos. Por opção, noutros. Por incúria ou arrogância, noutros tantos. A invejidade portuguesa a fazer o resto. Portugal, país de Homens puros, sem pecado, tantas são as pedras atiradas!
Nada a fazer? Tudo a fazer. A começar por celebrar o Natal. Não o consumista. Mas o momento de esperança que simboliza para os cristãos. Esperança num Mundo de paz, solidariedade e justiça. Que se constrói, quotidianamente.
Voltando a Keynes: acalmar os mares é uma tarefa humana. Os milagres dão muito trabalho!