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Em política, o que parece é. É por isso que os directórios partidários são tão atentos às palavras que o líder usa, para que uma afirmação não possa parecer precisamente o contrário do que se pretende afirmar. Em vésperas de eleições, os partidos só podem procurar vitórias: compete ao PS dizer que quer ganhar as eleições - e di-lo, pedindo até nova maioria absoluta. E compete aos partidos mais pequenos dizerem que a sua vitória é melhorar a votação e contribuir para que o PS perca a maioria absoluta. O PSD, dado o seu histórico, tem necessariamente de dizer que quer ganhar, ser o partido mais votado, um voto que seja acima do PS. Disso se esqueceu a líder na sua sinceridade politicamente incorrecta: ao afirmar numa entrevista à SIC que está disponível para participar em qualquer solução que acredite seja a melhor para o país, Manuela Ferreira Leite afirma implicitamente que não parte para ganhar as eleições, parte com o mesmíssimo objectivo dos partidos mais pequenos, tão-só o de retirar a maioria ao PS. É pouco para um partido como o PSD, e falta saber como militantes e simpatizantes recebem esta declaração sincera sobre as possibilidades do partido, bem mais debéis do que de outras vezes. O povo do centrão, que não tem partido e vota PS ou PSD, gosta de votar e ganhar e, se assim continuar a ser, afastar-se-á do PSD. É claro que é cedo para contas e é claro também que no fim acabará por pesar no resultado o eventual crescimento de PCP e BE e poderá sentir-se o desgaste que a crise provoca no PS.
A declaração de Manuela Ferreira Leite, por outro lado, vai de encontro aos desejos de Cavaco. Na mensagem do 25 de Abril, o presidente da República falou na necessidade de entendimentos largos entre os partidos. E, se não houver uma maioria absoluta, é disso mesmo que o país precisa. Precisa, se se garantir que cada partido participante está disposto a ceder e não mata a coligação alargada ao primeiro dos seus interesses que vir rejeitado, o que, sinceramente, é o que eu penso que sucederá. Manuela Ferreira Leite, ontem, ao deixar de lado a hipótese de um bloco central, parece só aceitar estes consensos alargados. Alguém imagina um Governo só do PS - menos ainda só do PSD - a ter de negociar votação a votação no Parlamento? Quanto tempo durará um Governo minoritário? E um Governo só de Esquerda será possível e eficaz? Jerónimo e Louçã conviverão bem? E quanto tempo levarão a afastar-se de Sócrates?Alguém imagina um Governo PS/PSD/BE? Ou com mais o PCP ou o CDS ou até ambos? Quanto tempo de vida dá o leitor a um Governo assim? E o presidente estará disponível para se empenhar com o primeiro-ministro em governos como estes? E se o Governo falhar, que recuo têm, depois, o presidente e o chefe do Governo? É tempo de irmos reflectindo sobre os cenários pós-eleitorais e sobre as armas com que queremos, e podemos, combater a crise.