A juíza que preside ao julgamento do processo Tagus Park, no tribunal de Oeiras, proibiu a "publicação de declarações, parciais ou integrais, prestadas pelas testemunhas em audiência de julgamento, no âmbito dos seus depoimentos, salvo se prévia e expressamente consentirem na publicação". Em despacho distribuído aos jornalistas no início do julgamento, a magistrada proibiu também a "reprodução parcial ou integral de quaisquer peças processuais e/ou de documentos integrados no processo, até que seja proferido acórdão final", salvo se tiverem sido obtidos mediante certidão solicitada com menção do fim a que se destina, ou se para tal houver autorização expressa da própria Juíza. Proibiu ainda a "reprodução, transmissão ou registo - parcial ou integral - de imagens ou de som, colhidos no interior da sala de audiência, e ou de qualquer acto produzido em julgamento, bem como captação e divulgação de imagens onde se visualizem os magistrados judiciais".
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Essa decisão é um acto de censura judicial. Ela estabelece proibições sobre matérias que a lei permite (desde que devidamente fundamentadas), mas também sobre matérias que a lei não permite. Entre as primeiras estão as proibições sobre a reprodução de peças processuais ou documentos, bem como as de registo de imagens ou de som, de acordo, aliás, com as alíneas a) e b) do nº 2, do artigo 88º, do Código de Processo Penal. Entre as proibições que a lei não permite está a que se refere à publicação das declarações das testemunhas.
Algumas dúvidas poderão surgir sobre a legitimidade da proibição de recolha de imagens dos próprios juízes que presidem ao julgamento. Um titular de um órgão de soberania pode impedir os órgãos de informação de fotografarem, filmarem ou gravarem as suas próprias declarações durante um acto público a que preside? Duvido que o possa fazer, mas mesmo que se entenda que sim, deverá então fundamentar-se devidamente essa decisão, de modo a que todos possam compreender e/ou aceitar a sua legitimidade. Senão somos levados a pensar que tal restrição se justifica apenas com aquela espécie de vaidade a contrario, que faz com que algumas pessoas concitem sobre si a atenção geral, justamente por exagerarem nas atitudes que, aparentemente, visam não dar nas vistas. De qualquer forma é sempre legítima a pergunta: então, que estão lá a fazer os jornalistas? Apenas para noticiarem aquilo que os autorizam ou para cumprirem os seus deveres informativos? E quem diz o que deve ou não deve ser noticiado - os próprios jornalistas (baseados no seu código deontológico) ou as pessoas que são, elas próprias, objecto de notícia?
Porém, a questão mais importante não é essa. A liberdade de expressão e informação e a liberdade de imprensa são direitos fundamentais previstos nos artigos 37º e 38º da Constituição da República Portuguesa. Ora, nos termos do artigo 18º, nº 2 da CRP, a lei (e por maioria de razão o poder de estado que a aplica) só pode restringir os direitos liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na CRP, devendo, contudo, as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. Quais são, pois, os direitos constitucionais salvaguardados com aquela restrição ao direito de informar?
A decisão em causa apresenta como seu único fundamento a pretensão de que o julgamento "decorra sem incidentes ou quaisquer actos desnecessários que perturbem o normal andamento dos trabalhos". Isto é, manifestamente, muito pouco, perante a imensidão do que se sacrifica. Como é que o registo das imagens e das palavras dos juízes ou a publicação das declarações das testemunhas poderiam perturbar o normal andamento do julgamento? Quando é que a notícia de um acontecimento perturba o próprio acontecimento? Isso só acontece quando os factos se produzem unicamente para a comunicação social. Nos tribunais, isso só acontece quando se concebe a justiça como um espectáculo exclusivamente mediático.
A censura prévia não existe apenas quando se proíbe ou restringe a publicação de certas notícias já elaboradas, mas também quando se proíbe ou restringe a elaboração de notícias sobre certos factos.