<p>Não é gralha. As cessões a que nos referimos são os (alegados) prejuízos virtuais da Banca portuguesa, que a obrigam a fugir para a protecção pública. Ao mesmo tempo, divulga-se a lista dos lucros reais. E o cidadão duvida.</p>
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Claro que uma banca sadia é parte de uma economia robusta, embora nem tudo o que seja bom para o banco x seja bom para Portugal.
Claro que nos devemos congratular com o lucro limpo, honesto, proveniente de actividade reconhecida e registada.
Não se pode ainda esquecer que, pela Banca, têm passado alguns dos mais brilhantes economistas e gestores portugueses, formados nas melhores escolas, muitos deles feitos à custa própria, sem ajudas, com investigação de mérito, docência de mérito e trabalho de mérito.
O complexo contra alguns bancos que por aí andam, e que mais parecem gatos disfarçados de lebres, ou engodos para incautos, não pode transformar-se, apesar da tentação, em complexo contra a Banca. Esta produz uma actividade social relevante, e deve apenas esperar-se que as comunidades humanas, através dos estados (até que se invente entidade mais eficaz, a seguir a Deus), possam crescentemente regular, ordenar, fiscalizar e disciplinar tal actividade. Pelo menos é assim que entendo o modelo - nem "ultraliberal" nem "comunista" - em que apeteceria viver.
Mas, sem complexos nem primarismos, e entendendo que ninguém deve saudar a bancarrota generalizada (que envolveria toda a sociedade no caos), o paradoxo "lucros reais/prejuízos virtuais" merece ser mais explicado e debatido.
Não basta dizer que, por importação da crise hipotecária americana, os bancos deixam de ter crédito para investir, e que é portanto preciso "fazer algo".
Torna-se necessário explicar o que todos e cada um dos bancos fazem, de forma a converter os lucros legítimos em investimentos necessários e produtivos. O que todos e cada um fazem para racionalizar as suas estruturas, moderar a massa de prémios e salários, e vigiar para que a justa recompensa do mérito individual não prejudique a sobrevivência do bem colectivo.
No fundo, a era da obscuridade bancária, que já estava a passar, tem de terminar hoje. Não basta que, anualmente, a Banca envie, para alvos seleccionados, um relatório de contas e balancete, que fica geralmente a fazer de pisa- papéis, ou a calçar uma mesa irregular.
É preciso que, dos gabinetes de imagem ao Conselho de Administração, exista franqueza: se há luz ao fundo do túnel, que se diga. Se não há túnel, que se conte. Se só há túnel, não haja medo de o revelar.
Entre os direitos dos depositantes está o privilégio de saber quando chega o fim do Mundo.
O Governo teve a fineza de, em bloco, ensaiar uma resposta às minhas interrogações da semana passada, que apenas espelham "dúvidas legítimas" do meio social, jornalístico, político e académico.
O fundo de garantia bancária percebe-se, na lógica geral, e se ficar lido o que se disse atrás. Mas os esclarecimentos sobre a nacionalização do BPN e o pronto-socorro do BPP são demasiado parciais.
Ninguém nos mostrou as contas sobre a alternativa (proposta por Cadilhe) à nacionalização, nem os cálculos sobre a falência, ou auto-salvação, do BPP.
Deve ainda dizer-se, outra vez e sempre, que é pior, para a "imagem" do Estado, pairar a suspeita da salvação política, ou selectiva, de instituições, do que a real queda de empórios podres ou ineptos ou azarados.