1. Não me lembro de termos sido chamados a eleger o presidente dos Estados Unidos da Europa. Também não recordo termos sido chamados a votar a cedência de soberania em proveito de um chefe de Estado estrangeiro. Assim, foi com surpresa, primeiro, e irritação, depois, que assisti à cena: Angela Merkel no parlamento alemão, puxando as orelhas aos portugueses que chumbaram um plano de austeridade que a ela lhe fora apresentado em primeira mão, a que ela dera o seu aval e que, provavelmente, ela desenhou. Não vale a pena perder tempo com os argumentos da chanceler, sabemos todos que andámos a gastar o que tínhamos e o que não tínhamos. A questão é a da arrogância do tom e o local escolhido. Uma coisa é percebermos que somos orientados a partir de Berlim, outra coisa é assistir ao debate do Estado da nossa nação no Bundestag alemão. Sendo que umas horas mais tarde, em pleno Conselho Europeu, Merkel haveria de voltar a lamentar o "derrube" de Sócrates; e depois advertir, com a mesma arrogância, o eventual senhor que se segue: não chega Passos Coelho comprometer-se com a redução do défice, terá de explicar, previamente, que medidas vai aplicar. Ou seja, como antes com José Sócrates, a chanceler alemã exige a Passos Coelho que lhe comunique, a ela, que impostos vai subir e que salários vai cortar. A esta dimensão estamos reduzidos.
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2. A ilusão da austeridade. Assim se intitula um artigo de Paul Krugman, nobel da economia. Relembra o norte-americano que os que defenderam políticas de austeridade a justificaram com o crescimento da confiança, desdenhando os seus efeitos sobre o crescimento e o emprego. "Estavam enganados", sentencia. O que está a acontecer na Europa prova-o. Os países entraram em recessão, o desemprego aumentou. A poupança conseguida à cabeça foi desbaratada no final com a quebra de receitas. Krugman podia ter usado o exemplo de Portugal: há um ano que somamos planos de austeridade, sempre com o mesmo resultado: confiança em queda, juros cada vez mais altos; recessão; desemprego galopante. Krugman não terá toda a razão, mas os "falcões da austeridade", como Merkel, também não.
3. Nada como uma medida simpática à despedida. Houve governos de gestão que abateram sobreiros; outros construíram centros comerciais em áreas sensíveis. O actual ainda nem está em gestão e já deu o seu contributo para o anedotário. Preocupado com a escassa margem de manobra quando alguém quer entregar uma obra, ou fazer uma encomenda, sem ter a maçada de promover um concurso público, o Ministério das Finanças fez um "simplex" nos ajustes directos: assim, um director geral pode agora gastar 750 mil euros sem dar cavaco a ninguém (até aqui 100 mil); um presidente de Câmara pode ir até aos 900 mil euros (em vez de míseros 150 mil); e um ministro pode gastar à vontade 5,6 milhões de euros (eram apenas 3,7 milhões). Retiro tudo o que escrevi antes. Chamem a chanceler.