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Há 30 anos, nós e eles acabadinhos de embarcar na União Europeia, fazia sucesso por toda a Espanha a banda de punk-rock Siniestro Total, que fez carreira a partir de Vigo. "Menos mal que nos queda Portugal" (Ainda bem que nos resta Portugal) foi o tema escolhido pelos galegos para o terceiro e mais famoso álbum da sua discografia. E a expressão entrou de tal forma no ouvido espanhol, que ainda hoje é glosada como "un chascarrillo", piada popular entre a geração da meia-idade na nossa vizinhança.
O verdadeiro significado da expressão foi verbalizado, há dias, por um historiador galego que veio participar na Grande Conferência do JN: "Houve um tempo, em que os espanhóis apareciam na maioria das estatísticas europeias como os penúltimos em todos os indicadores. Éramos os irmãos pobres da CEE e, para consolo nosso, atrás de nós só estavam os portugueses".
Nem de propósito, e nem mesmo depois do desastre grego, o último boletim do Eurostat vem revelar-nos como os europeus mais insatisfeitos com a crise financeira. Não nos iludamos, pois, porque é este o quadro com que os portugueses avaliam o estado da nação.
A perceção geral é a de que o país empobreceu. Nos últimos anos, e pelas razões que todos conhecemos, agravaram-se as condições de vida de centenas de milhares de portugueses. Em especial para os desempregados, em situação de maior fragilidade e em número superior ao de 2011. Cresceram as desigualdades na distribuição do rendimento e, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística, cresceu também o risco de pobreza, que afeta um em cada cinco portugueses.
Há, decerto, alguns indicadores que melhoraram. Mas, apesar de todos os sacrifícios, a dívida pública aumentou e os atuais níveis de crescimento estão longe de permitir que consigamos sustentá-la.
Não há infelicidade maior do que a nascida da sensação de que tudo poderia ter sido diferente. Depois de séculos de atraso, a entrada de Portugal na liga europeia criou expectativas de um país mais próspero, logo frustradas por anos de políticas erradas que nos conduziram não só ao nosso presente destino, como à triste condição de temermos que o futuro possa ser pior.
Para mudarmos esta sina precisamos, é certo, de criar mais riqueza. Mas, a pouco mais de dois meses das eleições, é crucial que os principais partidos assumam que precisamos de políticas que acrescentem democracia, transparência e justiça, para além de soluções concretas para combater o desemprego, enfim, uma estratégia que devolva a esperança aos portugueses. Para que à atual crise económica não tenhamos de somar uma crise de regime.