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Por esta altura, no pedaço de terra em que estou, encravado entre o Neiva e o mar, o fumo e a cinza que há 48 horas planam e caem fazem-me chorar os olhos.
O cheiro de despedida da natureza, forçada a morrer, dá-me a ideia exata do oxigénio que muitos dos que hão de vir já não terão. É por isso asfixiante perceber que as cenas fecundas que Aquilino descreve na "Casa Grande de Romarigães" que escolhi para me acompanhar neste verão são já idílicas e absolutamente inverificáveis: "(...) Voltou-se para o grande baldio, vestido com a serguilha russa do matiço, pespontado de sobros, carvalhos, cerquinhos e pinheiros, uma frondosa mata a sudoeste, tudo a crescer à rédea solta da natureza, irreprimivelmente, apesar do dente dos releixos e da podoa dos lenhadores. A água reluzia aqui e além nos algares das chãs e nos estirões retos das regueiras, perdida e tão mal empregada que era abusar da bondade de Deus não a encaminhar para onde criasse flores e frutos. (...)".
Tirando isto que, não sendo pouco, soa a choro sobre leite derramado, é forçoso que cada português meta a mão na consciência e veja e aceite a sua quota parte de responsabilidade.
É que, ao contrário, do discurso comezinho, e acriticamente amplificado pela Comunicação Social, o principal problema da nossa floresta não é público, é privado! Não é o sistema contra os incêndios que tem de melhorar (é impossível não ser grato ao esforço abnegado dos nossos operacionais), é o sistema de prevenção que tem de ser implementado e que, doa a quem doer, tem de ser regulamentado e imposto a todos os proprietários florestais.
Um honroso apego à terra que se torna atávico quando impede a sua própria proteção, tem sistematicamente impedido a implementação de variadas e úteis experiências como as que têm tentado organizar sistemas de limpeza e recolha sistemática de coberto vegetal, ou mesmo as que o ordenamento nacional estipula, como as zonas de intervenção florestal com os respetivos planos de gestão e de intervenção específica.
São sempre minguados os resultados por duas razões claríssimas e bem conhecidas: ou não se conhecem os donos das parcelas ou se conhecem na perfeição, mas não deixam que se intervenha, se altere ou se mexa seja no que seja.
A culpa não é do Estado ou do Governo ou do sistema. A culpa é nossa que não cuidamos nem deixamos cuidar do que sendo nosso é de todos! Sou, portanto, a favor que se declare por força de lei a obrigação de todas as parcelas florestais passarem a ter dono - em não aparecendo na hora própria revertem a favor do inventário público - e de todas, sem restrição públicas e privadas, serem obrigadas ao respeito de normas de organização, limpeza e gestão. Fica, claro, o desafio de uma legislação sensata e de um sistema de fiscalização rigoroso e duradouro.
Fica igualmente clara a impopularidade da coisa.
As dolorosas imagens do Funchal que me entram pela TV e as que retenho na memória de uma viagem dorida entre Lanheses e Viana são penhor coletivo da promessa eleitoral que todos os partidos têm por dever fazer e cumprir.
* ANALISTA FINANCEIRA