O avião aterra no aeroporto de Guarulhos e, automaticamente, chego à primavera. O outono ficou no outro lado das quase dez horas de viagem, no outro lado do oceano e do Equador. Depois das rodinhas da mala no chão do aeroporto, os pneus do táxi. Após poucas palavras, o taxista percebe que sou português e, talvez por isso, sente-se à vontade para começar logo a falar de política. Ainda assim, começa por considerações genéricas sobre a polarização, talvez tentando perceber até onde pode ir. Suponho que me interpreta como estrangeiro descomprometido com a política brasileira porque, logo a seguir, liberta-se.
Corpo do artigo
"O Bolsonaro está aumentando a vantagem aqui, em Minas e no Rio; se Deus quiser, ele ganha." Avançamos pela rodovia Ayrton Senna, manhã de sábado, pouco trânsito. Penso nisto: um piloto de automóveis a dar nome a uma estrada. Como se, com o tempo, o automobilista se transformasse na estrada, como se as coisas se transformassem na sua essência mais profunda. O taxista vai entusiasmado a dizer que, no estado de Roraima, o Bolsonaro ganhou porque, lá, fazem fronteira com a Venezuela e sabem como funciona o sistema socialista. Quando se refere a Lula, trata-o por ex-presidiário. Diz que, se ele ganhar, será uma vergonha para o Brasil, será o fim.
Na paisagem, os prédios parecem alheios ao monólogo do taxista, a esse discurso que, de certeza, já repetiu a muitos passageiros. Os prédios aceitam a primeira luz deste dia, claridade branda, contrário das palavras que são ditas no carro, "é ladrão, é bandido". No início da última semana antes da votação decisiva, a calma desta manhã é uma ilusão. "Se o PT perder, a gente pode acabar com a esquerda no país", garante o taxista. Seguimos ao lado do Tietê, rio da cor do alcatrão, a refletir o céu entre manchas de espuma e cheiro nauseabundo. Nas margens, grandes canos jorram água suja no rio.
*Escritor assina uma crónica diária no JN durante a última semana de campanha no Brasil