Ao contrário das teses pseudointelectuais que pululam por aí, não é de partidos, de políticos e, muito menos, da democracia, que os cidadãos andam saturados. O que os enfada é esta democracia. De partidos tomados de assalto, na maioria dos casos, pelos que eram reservas dos suplentes há uma geração. Por políticos de plástico, sem convicções, incultos, sem pensamento próprio sobre rigorosamente nada. De uma democracia previsível, nas ideias, nas propostas, nos atores.
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Mudem-se estes pressupostos e a militância retornará à partidocracia, as campanhas voltarão a ser animadas e as eleições participadas.
Demos então exemplos concretos do que pretendemos afirmar. Vem aí um novo ciclo eleitoral. Deixando para mais tarde o debate sobre o perfil dos candidatos a primeiro-ministro, o que terá de colorido o debate político?
Julgo que muito pouco. Alguém se vinculará a temas corrosivos como a regionalização, haverá quem se queira chamuscar a repescar proposituras como a da institucionalização de círculos uninominais para a escolha de deputados, ouvir-se-á uma palavra sobre a separação total de águas entre saúde e educação públicas e privadas, existirá quem se atreva a moralizar o estatuto de cidadão independente na vida pública, terminando com a mitificação que dá esse estatuto falsário aos descontentes, trânsfugas de véspera dos partidos tradicionais?
Não acredito que tal seja possível. Mas isso sim, seria mobilizador. Ver um candidato a líder de executivo afirmar que ia regionalizar política e administrativamente o país, equiparando-o aos mais transparentes do Norte da Europa; assistir a um outro que se comprometesse com a eleição direta de cada deputado; aplaudir quem, defendendo a sã competição entre ambos os setores, terminasse de vez com a promiscuidade que se reparte entre lados diversos de serviço público; dizer que um independente é bem-vindo ao combate político, mas para o ser não chega ter amuado na semana anterior com o seu partido, antes exigindo-se-lhe uma não vinculação partidária de pelo menos uma legislatura - quatro anos, tudo isto voltaria a tornar excitante o exercício democrático.
Ora também nas eleições presidenciais tal apimentado era bem-vindo. Quarenta anos após a Constituição de 1975, já não era tempo de se equacionar a bondade da necessidade de dois mandatos, a pertinácia da duração quinquenal do mesmo, os poderes relativos Presidente/Governo/Parlamento?
Infelizmente nada disso é provável ocorrer. Tudo se resumirá à troca de acusações sobre quem é mais responsável pela aterragem da troika na Portela e sobre quem acredita mais ou menos nas suas recomendações.
O restante ficará na responsabilidade das agências de comunicação, na sua capacidade para assediar mais redações, ser mais eficaz na escolha do blazer adequado e na agressividade, muitas vezes caluniosa, das agressões no anonimato impune da blogosfera.
Quanto aos candidatos, teremos também um bocejo de falta de originalidade que, no caso da escolha do futuro Presidente, poderá penalizar principalmente a atual maioria.
À Esquerda, Guterres é um grande candidato. Fracassou como primeiro-ministro, mas fez um extraordinário lugar no patamar superior da nomenclatura da ONU, é um homem culto, afável e gerador de consensos.
À Direita, o candidato mais forte seria Marcelo Rebelo de Sousa e poderia ser Barroso, não fora o péssimo quadro europeu em que teve o azar de reinar. Pedro Santana Lopes, com que aliás sempre simpatizei e parece ser o preferido da Direção do PSD, é um candidato digno, mas tem todos os handicaps de Guterres sem aparentemente ter as suas virtudes.
Contudo, esta guerra não estaria perdida à partida, caso se rompesse com o tal ciclo do "tem que ser".
Um candidato que tivesse experiência política e de gestão, mas que igualmente ocupasse o espaço do perfil menos partidário, menos politiqueiro, mais realizador e humanizado, que o eleitorado hoje mais aprecia, teria enormes possibilidades de se bater com Guterres. Insisto no exemplo emblemático que já aqui evoquei: uma mulher, com perfil de coragem e combate anti-interesses, hoje ligada a um grande projeto que honra o país, Leonor Beleza.
Ela, ou alguém como ela, seriam o tal vento fresco, revitalizador do regime.
Ea propósito de mulheres, apesar de estar convencido que Passos Coelho tem todas as hipóteses de lutar pela vitória em 2015 (e depois do fiasco Costa no debate com Seguro, tal parece muito realista), a sua sucessão, ainda que só no partido, também devia surpreender. E até seria mobilizador se se realizasse antes do verão do próximo ano. Separando as águas partido/Governo. Tal encargo não ficaria mal entregue a Luís Montenegro, Jorge Moreira da Silva ou Marco António Costa, mas uma carta igualmente caleidoscópica seria bem-vinda.
Alguém como Maria Luís Albuquerque.
Competente, com resultados, com discurso convincente, uma Merkel à portuguesa. Só que sem os estereótipos de contabilista frustrada da antiga RDA.
Afinal, não é impossível reintroduzir interesse na vida pública. Houvesse vontade de romper com o óbvio e tudo seria diferente para melhor.