Foi a ideia de que o mercado, a concorrência e o sucesso individual criariam o paraíso na Terra que nos trouxe até aqui, ajudada certamente pelas malfeitorias das regulações e impunidades que se instalaram nos circuitos da globalização dos capitais. Feita a prova de que o dinheiro não cria dinheiro sem ser investido em utilidade económica e social, resta ao capitalismo que rejeita ser governado em ditadura arrepiar caminho e aproximar-se das realidades. Ou seja: dos que produzem e dos que consomem, tentando satisfazer quem trabalha e quem empreende, garantindo uma remuneração não usurária do capital circulante.
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Acontece que já vivemos a diversidade suficiente de regimes políticos e respetivas crises sistémicas para podermos confiar na redenção do homem pelo homem. Por mais católicos praticantes que sejamos, nunca seremos suficientes para impedir a ganância de que se alimenta o sistema e que lhe garante idolatria. De pés de barro, mas ídolos que assim se fazem pelo egoísmo, pela manha e pela corrupção.
Vem esta lengalenga a propósito do que ontem pude ouvir na conferência sobre empreendedorismo agrícola, na Casa da Música, no Porto.
Esta iniciativa, em que o JN tem como parceiro o Millennium BCP, correrá o país e certamente que fará luz sobre o que a realidade pede e aparentemente não tem resposta no quadro da livre iniciativa. Faltando conhecer até que ponto as políticas e sobretudo o Estado [essa coisa que deveria existir e funcionar para além das maiorias político-partidárias que alternam na governação] conseguem ligar as partes.
No debate de ontem, entre variadas distorções, ficamos a saber que quem exporta à séria, como é o caso da Frulact, com um volume de negócios de 65 milhões de euros, não consegue da agricultura nacional mais de 10 por cento das cerca de 25 mil toneladas de produtos que transforma e aos quais procura acrescentar valor.
Quando se procura entender de que modo a agricultura portuguesa poderia ganhar fôlego, a explicação que um exportador deste porte nos dá é quase caricata: em alguns produtos não temos com quem falar.
E porquê?
Simplesmente porque os produtores não se associam, não se fazem representar, não criam rede, ou, pior, não querem. Sim, foi mesmo dito que alguns estão a ganhar tanto dinheiro que não querem ouvir falar em tal coisa.
Claro que estes alguns serão sempre poucos, mas também os de sempre: chicos-espertos. Que, mais cedo que tarde, serão tão pobres como os outros, vergados pela globalização que também é feroz neste setor dos produtos alimentares.
Parece ridículo dizê-lo, mas para empresas com a saúde, o vigor e o interesse nacional da Frulact talvez valesse a pena o Governo pensar num plano quinquenal.