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"Chips"? Não, obrigado. Alias, não aos chips e não a tudo que possa significar a mínima hipótese (por mais ténue ou remota que seja) de violação da vida privada seja de quem for. E, por isso, também não à violação de correspondência ou de comunicações como são, por exemplo, as escutas telefónicas, não à violação do segredo de Justiça ou de qualquer outro segredo relativo a quaisquer dados pessoais e a tudo quanto possa significar a devassa do que é do domínio estritamente pessoal. Quanto a isto, que é um princípio, a democracia deve ser implacável. E ser implacável significa, exactamente, ser inflexível, impiedosa, severa, e outras coisas terríveis que os dicionários dizem quando se procura lá o significado da coisa. Ou seja: a democracia não admite graus e deve ser absolutamente intransigente quando os seus próprios fundamentos correm o mínimo risco de ser postos em causa. É que nisto de princípios, não há meio-termo: ou há, ou não há. Se há, devem ser defendidos e se não, todos os democratas têm a obrigação de lutar por eles e de os fazer respeitar. Porque, em boa verdade, o que distingue a democracia da não democracia é, exactamente, o respeito pelos princípios que suportam a dignidade do Homem e, desde logo, a defesa intransigente dos seus direitos fundamentais de que sobressai o direito inalienável à sua própria individualidade que, obviamente, implica o direito à sua privacidade. E sem excepções!
Bom, como todos já compreendemos, estamos mais uma vez a falar da questão que, sob diversas formas, mais tempo nos tem ocupado nos últimos tempos mas que é uma questão essencial à democracia: estamos, naturalmente, a falar de liberdade que é a pedra-de-toque da democracia e do consequente direito à vida privada que essa mesma liberdade pressupõe. Sem restrições. Só que, agora, já não é por causa de qualquer negócio mais ou menos estranho mas por razões bem mais prosaicas e que têm a ver com a proposta de introdução de portagens em estradas que agora se chamam "Auto-estradas" (AE ou SCUT) e que antes se designavam por "Itinerários Complementares" (IC) que nunca foram concebidos para as ter.
Distingamos, porém, as questões. Uma coisa é o eventual pagamento de portagens cujo sistema pode ser o que muito bem quiserem e ainda que à revelia da opinião de muita e boa gente e outra é ter de lançar mão de meios "ilícitos" ou, pelo menos, "perigosos", para o fazer. E tudo porque é mais fácil fazê-lo assim ou porque, simplesmente, não há mesmo outra hipótese sem que sejam introduzidas profundas alterações no desenho das actuais SCUT, tornando a introdução das portagens numa operação eventualmente desastrosa e, talvez, até, com efeitos perversos para além dos que já se sabe que vai provocar.
Mas, a questão central é mesmo o risco - ou, até, a certeza - de que tudo o que pode correr mal... vai mesmo correr mal! E a questão dos "chips" é uma delas. Já está a correr mal e pode mesmo acabar pior! É que, a avaliar pelos grotescos folhetins em que ainda andamos atolados e que ameaçam mesmo eternizar-se para gozo supremo das mais diversas "agências de rating" que de longe nos "chipam" com a prestimosa ajuda dos nossos "voyeurs" internos de serviço ou, até, de simples "bufos" travestidos dos mais diversos personagens que por aí circulam nos mais selectos corredores das mais insuspeitas instituições. Neste contexto, o mais natural é que os "chips das scut" possam mesmo vir a transformar-se em mais um "desporto" tão perigoso como é, por exemplo, falar ao telemóvel, conversar em restaurantes onda haja mais comensais, comentar com amigos os gostos pessoais ou mesmo emitir opiniões políticas em voz alta. Como "gato escaldado de água fria tem medo", o melhor é mesmo dizer não aos "chips"!