A entrevista de Adolfo Mesquita Nunes, secretário de Estado do Turismo (SET), ao Jornal 2 (RTP2) de quinta-feira deixou-me triplamente chocado. Fiquei a saber que, no que ao turismo diz respeito, há uma nova interpretação da estratégia nacional, que afinal o turismo está a crescer no Porto devido à ação destemida deste governante a partir do seu gabinete na capital e, finalmente, que esta coisa de agradar às populações e aos autarcas não faz sentido.
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Começando pela estratégia, Mesquita Nunes afirmou que a aposta deve fazer-se na conectividade, captando rotas aéreas, e que o apoio aos eventos não traz turistas. Fico confuso! Desde logo porque uma viagem turística tem um determinado propósito, sem o qual é dispensável a rota de transporte. Há certamente destinos com uma força tal que basta garantir lugares de avião para que se encham de pessoas. Paris, Londres ou Veneza são alguns desses casos, mas não o serão Lisboa ou o Porto, para os quais é fundamental desenvolver programas de atratividade. Depois, porque esperaria que quem atribui tal valor ao transporte aéreo ponderasse a relevância de uma transportadora
de bandeira, minimizando, portanto, o risco de perder o "hub" aeroportuário que existe no território nacional. Ora, a pressa de privatizar a TAP não indicia essa preocupação.
Ainda assim, revisitei o "Plano Estratégico Nacional do Turismo", na sua revisão 2013-2015, justamente o documento de referência da Secretaria de Estado do Turismo. No capítulo destinado aos Programas de Implementação, a estratégia é desenvolvida em 40 projetos temáticos. No Projeto 10, dedicado ao produto "city breaks" (estadias de curta duração em cidade), justamente aquele que enquadra as afirmações do SET na RTP2, está escrito que Lisboa e Porto dispõem de boas condições de acessibilidade para competir no mercado internacional e é elencada a atividade-chave "Estruturar e promover calendário de eventos com interesse turístico que enriqueçam a estada e influenciem a decisão de escolha do destino". Ou seja, mais ou menos o contrário do que disse Mesquita Nunes. Mais adiante, no Projeto 12, dedicado à promoção de Portugal como destino de golfe de classe mundial, é apontada a atividade "Estruturar e promover calendário de eventos de golfe de projeção internacional". Tal como no Projeto 14, que defende calendário similar, mas de eventos náuticos. Por fim, o Projeto 22 propõe-se desenvolver o turismo científico através de "ações de captação para Portugal de eventos internacionais na área científica, designadamente congressos e conferências". Sendo esta a bíblia do turismo em Portugal, é legítimo questionar se o secretário de Estado perdeu a fé!
Noutro momento da entrevista, Mesquita Nunes defende que "o turismo no Porto estava a estagnar e disparou a partir de 2013", devido ao corte no apoio aos eventos, à captação de rotas aéreas e à promoção na imprensa internacional, tudo protagonizado pelo Governo. Dito assim, até parece verdade. Quanto ao corte nos eventos, só se pode esperar um novo plano estratégico escrito pelo punho do próprio SET. A captação de rotas aéreas é outro mistério. A Ryanair opera no Porto há uns anos, período no qual curiosamente o governante acha que o turismo estava estagnado. Já no caso da Easyjet, só chegará em força ao Porto em 2015, pelo que não poderá ter efeitos retroativos desde 2013. Mas surpreendente mesmo é a alegada promoção do destino Porto pelo Governo nos média internacionais. A este nível, o Porto tem sido notícia em títulos como "The New York Times", "El País" ou "Monocle", mas tendo por protagonista o presidente da Câmara Municipal, Rui Moreira, que promove não só a cidade, mas também o País. Não, não acho que o pai do crescimento do turismo no Porto seja o Governo.
Oterceiro choque que a entrevista do SET me causou foi a atitude clássica dos membros de um dos governos mais centralistas da Europa. Adolfo Mesquita Nunes, um secretário de Estado nomeado por conta das quotas do CDS, que não foi eleito para o cargo por ninguém, acha-se no direito de diminuir uma estratégia "baseada em eventos que agrada a autarcas e populações". Alguém terá de explicar ao SET que eleitos e eleitores são as duas entidades centrais em democracia e que a proximidade da realidade é a chave da boa política pública, razão pela qual a estratégia do autarca é, pelo menos, mais legítima do que a sua.