Por esta altura, não haverá nenhum português que não tenha ouvido falar de dívida pública. Bem menor será o número daqueles que sabem como se compara com o valor do que o país produz. Talvez sejam ainda menos os que têm uma ideia aproximada de como se origina essa dívida ou se o tal valor é bruto ou líquido, ou seja, deduzido dos nossos créditos sobre terceiros. Se este último aspecto já começa a ser uma especiosidade, os restantes são fundamentais para se entender porque estamos metidos nesta camisa de sete varas e, em maior ou menor medida, porque houve necessidade de adoptar medidas políticas tão severas (podendo-se discutir o menu, a dose e o ritmo).
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Apenas os mais desinteressados não conhecem, porque não querem saber, aquele mínimo essencial. A informação está por todo o lado, na Comunicação Social, nos sites oficiais, nos discursos, nas discussões públicas. O caso muda de figura quando se evolui para informação, igualmente crítica, mas mais técnica ou quando se pretende, por exemplo, conhecer como são gastos os nossos dinheiros por parte da administração pública. O manifesto subscrito por 74 personalidades é um bom exemplo. No debate que se seguiu, houve quem tivesse chamado a atenção para o facto de o texto tratar a dívida no seu conjunto, não separando a componente detida pelos privados da detida pela troika e, dentro desta, a detida pelo FMI da originada em entidades europeias (isto para simplificar!). E houve quem acrescentasse elementos sobre os custos (taxas de juro), diferentes consoante o titular e as maturidades (simplificando, mais uma vez). Tudo isto pode parecer, ao leitor comum, uma picuinhice. Não é assim: grande parte do potencial impacto da renegociação da dívida, anunciado por alguns dos subscritores do dito manifesto, desaparece quando se entra nessa análise detalhada, a não ser que se adopte a postura radical (corte da dívida) implícita no discurso de alguns outros subscritores. O meu ponto, aqui, não é esse. O que me parece lamentável é a dificuldade que um cidadão comum tem não apenas em obter esses dados, como em tirar deles proveito, informação. Faça um exercício. Dou-lhe uma pista: vá aos sites do Banco de Portugal e do IGCP. Perguntará: mas isso não devia ser responsabilidade directa do Governo? Pois devia! E queria?
Desengane-se se pensa que camuflar informação é um exclusivo deste Governo. Lembra-se da polémica dos efeitos de "spill-over" (efeito difusor) do tempo de Sócrates? Trata-se de situações em que, a pretexto de um alegado efeito positivo sobre outras regiões, certos projectos desenvolvidos em regiões não elegíveis para apoios comunitários (i.e., Lisboa) podem ser financiados com verbas de outras regiões. Na altura, houve enorme contestação, incluindo uma queixa dos autarcas do Norte à Comissão Europeia. No meio da convulsão em que temos vivido, o assunto quase caiu em esquecimento. Quase. A necessidade de preparar o acordo de parceria fez reavivar o assunto. Dir-se-á: mas isso é significativo? Boa pergunta para a qual é quase (estou a ser generoso!) impossível obter resposta. E sabe a quem isto aproveita? Pois é! Resta esperar que, tendo sido Castro Almeida um dos subscritores da referida queixa, aproveite o seu estatuto de secretário de Estado para garantir, pelo menos, um sistema de informação que nos permita saber se é uma discussão que valha a pena ter.
Continua a haver demasiados debates e polémicas que apenas redundam em ruído, confundindo mais do que aclarando. O exercício da cidadania requer sistemas de informação de fácil acesso. Às vezes, é quase só preciso querer. Há 5 ou 6 anos, sugeri que se criasse uma factura virtual para os utentes do SNS. Hoje, já vários hospitais a emitem. Não pagamos mais mas ficamos a saber quanto valem os recursos que o nosso tratamento mobilizou. Talvez se pudesse fazer o mesmo com as reformas: qual era o valor actual dos descontos efectuados e qual seria a reforma mensal virtual, a 10 ou 20 anos. Não é esse o nosso sistema, não descontamos para nós, mas talvez permitisse que a discussão se situasse numa base mais séria. E útil.