<p>No Porto, segundo as estatísticas, dá-se um atropelamento por dia. Em 2009, foram registados 316. Contudo, se considerarmos que houve muitas situações equivalentes mas não registadas, facilmente concluiremos que o Porto é uma cidade perigosa. No entanto, e a avaliar pelo que empiricamente sabemos, é bem provável que o Porto não seja nem melhor nem pior do que as outras.</p>
Corpo do artigo
Como de costume, os dados não abundam mas, no caso do Porto, a Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária aponta as ruas da Alegria, da Constituição, de D. João IV e do Monte dos Burgos, a Praça da Batalha e, ainda, a A1 e a Via de Cintura Interna, como alguns dos locais onde os atropelamentos se saldaram por mortes. Por outro lado, a Câmara Municipal do Porto e o Instituto da Construção da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, identificaram uma vintena de outros locais na cidade "mais propícios a acidentes" em que se incluem, por exemplo, as avenidas da Boavista e de Fernão de Magalhães, "um nó junto ao Carvalhido" e, ainda, "uma zona do Amial, contígua a uma escola, como um dos chamados pontos de acumulação de acidentes".
Que terão, então, estas ruas e avenidas, de tão especial ou diferente para serem, afinal, assim tão "mortíferas"? A verdade é que quase todas elas foram recentemente "requalificadas" e, portanto, sujeitas a obras dispendiosas com novos passeios e faixas de rodagem (guias, rampas, pinturas, sinalização e outros adereços) que, em boa verdade, as deveriam ter transformado em locais mais confortáveis e mais seguros. Contudo, são, afinal, lugares mais "mortíferos"! O que se passa, então?
A explicação não será simples, mas convenhamos que também não encerra grandes mistérios. Claro que quando temos de lidar com máquinas e com pessoas, é preciso olhar para todos os lados do problema e ao mesmo tempo. Só que, no terreno, não é isso que acontece e, por isso, se a prática não for além dos discursos e das estatísticas, bem poderão o ACP e a CMP proclamar (e bem) que "Todos somos peões!" e afixar terríveis "cartazes nas passadeiras para ver o número de mortos", assim como bem poderá a FIP (Federação Internacional de Peões), contabilizar em rigorosos segundos o tempo que poderá separar um peão vivo dum peão morto, que a situação dificilmente se alterará. É que, campanhas como a que agora decorre, são estimáveis mas em boa verdade... não chegam!
Por isso, é preciso passar das palavras aos actos e transformar os discursos em obras. E como? Começando por decidir aplicar o princípio de que a cidade é prioritariamente para as pessoas e que isso exige que o desenho do espaço traduza essa mesma prioridade. E como é que isso se faz? Desde logo, "desenhando" de modo diferente o espaço público da cidade de tal forma que esse novo desenho configure um novo princípio que, no essencial, é exactamente o inverso do que hoje existe e que, como se sabe, privilegia a máquina. E que novo "desenho" é esse, então?
A título de exemplo, e já que estamos a falar - e só - de passadeiras, dar a prioridade às pessoas, significaria, por exemplo, "subir" as passadeiras para o nível dos passeios e não o contrário, ou seja, "descer" os passeios para o nível dos automóveis como ainda é a prática corrente. Isto deixaria mais clara a ideia de que a passadeira, tal como o passeio, é espaço mais das pessoas e menos do automóvel que, por sua vez, ao ter de "subir e descer" em cada passadeira, receberia o sinal de que está a invadir um espaço que não é seu!
Para além do mais, fazer isto é quase sempre mais simples, mais barato, mais cómodo e mais seguro. Isto é válido para qualquer cidade (e já muitas adoptaram este princípio) mas, curiosamente, no caso do Porto, foi exactamente isto que, mais recentemente, não foi feito em todas as ruas acima citadas e que, segundo se diz, acabaram de ser... "requalificadas"! Foram?