Despoluir o rio Sena, tornando possível nadar no seu leito, seria à partida algo inconcretizável, dada a dimensão de tal obra. No entanto, houve quem visse na candidatura de Paris às olimpíadas de 2024 uma oportunidade para realizar tamanha ambição. Assim, a partir da próxima primavera, o emblemático rio que atravessa a capital francesa apresentar-se-á limpo, pronto a acolher quem quiser banhar-se nas suas águas.
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A cada eleição local, os autarcas deveriam ser confrontados com a sua capacidade não apenas de fazer obra perene, mas também de cuidar do património que está sob a sua alçada. E, em final de mandato, deveriam prestar contas desse exercício. Infelizmente, pouco se faz a esse nível. Por vezes, investe-se dinheiro público em eventos de que não se guardam (boas) memórias ou em iniciativas que interessam a poucas pessoas, ainda que, a partir disso, se promova uma comunicação tão intensa como artificial. Perdemos todos.
Em Paris, pensou-se de modo diferente. Sonhou-se com uns Jogos Olímpicos de Verão com outra configuração, situando o epicentro naquilo que é a marca identitária da cidade: o rio Sena. E promoveu-se uma candidatura inovadora. Que saiu vencedora. Desta vez, não se construiriam obras faraónicas que, passados os eventos, mais parecem mastodontes sem qualquer utilidade ou sentido estético, mas pensar-se-ia tudo a partir de um caudal que, depois de despoluído, acolheria a sessão de abertura e seria a base a partir da qual se fariam algumas provas (como o triatlo, por exemplo).
O investimento é gigantesco: 1,4 biliões de euros. Mas marcará uma nova vida para a capital francesa. No mês passado, as autoridades locais desafiaram a revista "Time" a ver as obras e o resultado dessa reportagem compõe a belíssima capa da edição desta semana. No relato, ressalta a ideia de que o futuro de uma grande cidade também se faz recuperando o passado, criando a partir daí novas marcas.
Depois das olimpíadas, vão nascer no rio 26 piscinas, quatro em pleno centro de Paris. Não é de um regresso a um período em que foi possível nadar no Sena que falamos. O que está em causa é a projeção num futuro feito de preocupações sustentáveis e de ações em prol da qualidade de vida das pessoas que habitam espaços públicos.
Recuperar rios de grandes cidades proporcionando a respetiva usufruição por parte dos cidadãos não é uma novidade. Zurique, Munique e Copenhaga fizeram isso. Em Paris, a obra é mais grandiosa pela extensão do Sena. Coincidido o final dos trabalhos com o início dos Jogos Olímpicos de Verão, a projeção do que se fez será maior. Espera-se, pois, um efeito de contaminação a outras cidades.
*Prof. associada com agregação da UMinho