"Civilização do amor" para vencer as pandemias
Ainda não se vê, pelo menos em Portugal, a luz ao fundo do túnel da pandemia que se abateu sobre a Humanidade.
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Ainda se estão a avaliar os seus impactos e a propor-se leituras do que sucedeu. Mas já há quem comece a preocupar-se com o que aí vem.
Noutros tempos, liam-se estes acontecimentos como castigos de Deus. Ainda há quem não resista a fazê-lo. Felizmente, em Portugal, os mais relevantes líderes religiosos não enveredaram por esse caminho, particularmente no seio da Igreja Católica. D. António Marto afirmou mesmo, numa entrevista ao sítio espanhol "Religión Digital", que dizer que o coronavírus é um castigo de Deus "não é cristão". Segundo o bispo de Leiria-Fátima, "só o diz quem não tem na sua mente e no seu coração a verdadeira imagem do Deus Amor e Misericórdia revelada em Cristo, por ignorância, fanatismo sectário ou loucura".
Esta pandemia, para D. António, revelou "a fragilidade e vulnerabilidade da condição humana, fez-nos tomar consciência que somos uma Humanidade vulnerável e que somos chamados a ser mais solidários".
Em relação ao futuro, o cardeal diz que esta crise desafia o Mundo a "repensar o sistema financeiro e económico para que haja mais justiça e se elimine a flagrante desigualdade entre a minoria rica do Mundo e a maioria dos pobres e descartados". D. António Marto sustenta "um maior cuidado com o lar comum através de uma ecologia integral, uma maior fraternidade e solidariedade entre os indivíduos e os povos, uma cidadania mais responsável".
Por seu lado, num texto na revista "Vida Nueva", o Papa Francisco propõe que se aproveite a união gerada em torno da luta global contra "a pandemia da exclusão e da indiferença" para enfrentar "outras epidemias que nos rodeiam". O Papa questiona-se: "seremos capazes de atuar com responsabilidade diante da fome que muitos sofrem, sabendo que temos alimentos para todos?" E prossegue: "Continuaremos a olhar para o outro lado com um silêncio cúmplice diante destas guerras fomentadas por desejos de domínio e de poder? Estaremos dispostos a mudar os estilos de vida que mergulham tantos na pobreza, promovendo e animando-nos a levar uma vida mais austera e humana que possibilite uma divisão equitativa dos recursos? Adotaremos as medidas necessárias para deter a devastação do meio ambiente, ou continuaremos a negar as evidências?"
Onde D. António Marto receia "que a memória humana seja curta e que os poderosos do Mundo e a cultura do consumismo exagerado queiram voltar aos tempos anteriores à pandemia", o Papa espera que esta pandemia tenha promovido na Humanidade os almejados "anticorpos da justiça, da caridade e da solidariedade".
O Papa propõe a "civilização do amor", que o cardeal Eduardo Pironio (1920-1998) definiu como "uma civilização da esperança: contra a angústia e o medo, a tristeza e o desalento, a passividade e o cansaço. A civilização do amor constrói-se no dia a dia, de modo ininterrupto. Pressupõe o esforço comprometido de todos".
Francisco conta com esse esforço e com esse compromisso.
*Padre