Ser médico sempre foi, mais do que uma profissão, uma missão para a vida toda. Escolher esta carreira é talvez a primeira grande decisão, de entre os milhares que os médicos tomam ao longo da vida, que implica diretamente com a saúde de alguém: neste caso a dos próprios médicos.
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Ao tomarem essa decisão, os médicos assumem e reconhecem os riscos que o nobre serviço que prestam ao país e aos doentes terá nas suas vidas. E é também por saberem ao que vão que essa decisão se torna ainda mais séria.
Sabem que estarão emocionalmente à prova, todos os dias, no contacto com doentes em sofrimento, com vidas em risco e com a morte, não apenas na relação médico-doente, mas para além do local e do tempo de trabalho. Sabem que estarão sujeitos a trabalho por turnos, noturnos e diurnos, em dias de descanso e em dias festivos, prejudicando o seu necessário tempo de repouso, assim como a saúde da sua vida pessoal, familiar e social. Sabem que estarão suscetíveis a doenças infectocontagiosas, decorrentes do contacto humano intrínseco à profissão, destacado nos últimos tempos pela covid-19 mas que não permite ignorar outras doenças eventualmente graves como a tuberculose, as infeções por VIH, as hepatites B e C ou outros agentes não raramente multirresistentes. Mas, hoje em dia, sabem também que estarão expostos ao risco dramaticamente aumentado de violência profissional, cujos episódios se têm agravado nos últimos anos.
Estes aspetos, associados a decisões altamente complexas, sob pressões de várias índoles, muitas vezes tomadas em condições de trabalho inadequadas, com equipas de médicos reduzidas e sobrecarregadas de tarefas, levam, aos profissionais, um aumento do risco de doenças cardiovasculares, de burnout/esgotamento, de stress pós-traumático e de suicídio, e aos doentes, a um risco acrescido de não serem tratados nas melhores condições de segurança.
Quando decidimos ser médicos, assumimos e reconhecemos todos estes fatores, mas o Estado e o país precisam necessariamente de o fazer também, sob pena de se perpetuar e acentuar o desgaste, a desmotivação e a desilusão dos médicos com uma carreira que não os valoriza e que os empurra para fora do Serviço Nacional de Saúde.
O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, tem vindo desde 2017 a alertar para a importância do reconhecimento da profissão médica como uma profissão de alto risco e desgaste rápido. Estes últimos cinco anos têm reforçado a sua razão de então, e eu acredito que 2023 tem de ser o ano em que esse passo seja dado a bem do futuro da Saúde em Portugal.
*Médico