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Ao ler um texto publicado por Zita Seabra no "Mensageiro de Bragança", dei-me conta da razão que tem quando diz que um cidadão não pode ser como Pilatos e "lavar as mãos" dos temas nacionais, sobretudo dos ditos "fraturantes" por mais confusa que seja a sua discussão e por menos credíveis que pareçam as várias intenções em presença.
Procurei fazer a minha parte, lendo e refletindo sobre tudo o que pude encontrar a respeito da questão atual da coadoção;
Ficou-me o seguinte :
1. A coadoção não pode ser tratada como um caso particular desligado do que prevê e obriga o instituto da adoção; se é verdade que este não prevê qualquer discriminação quanto ao adotante (casal ou pessoa singular) também é verdade que institui um processo de avaliação quanto à idoneidade e condições do(s) adotante(s) que não deve, em minha opinião, ser radicalmente suprimido só porque se trata de uma criança filha de um viúvo ou viúva que casa com uma pessoa do mesmo sexo ou de um casal de mulheres que tem um filho(a) gerado por recurso a uma banco de esperma (estrangeiro, porque em Portugal não é admitido legalmente). Continua a ser necessário verificar se o casal tem ou não condições para criar a criança em questão; não chega de conformidade com o disposto na lei;
2. A coadoção não pode ser desligada do que ficou estabelecido na norma legal que permite o casamento entre pessoas do mesmo sexo; e o que ficou estabelecido foi que um casal homossexual não pode adotar crianças; ou seja, instituir um regime em que um adotante homossexual depois de ter a criança à sua guarda, casa, para depois conseguir a coadoção pelo parceiro(a), é mero contorno legal de uma proibição que, bem ou mal, existe e foi consagrada democraticamente;
3. A coadoção não pode apenas prever o regime da criança enquanto o casal está formalmente unido (por casamento ou união de facto); será que os casais homossexuais não se separam? Se sim, como ficam as crianças coadotadas?
4. A coadoção diz respeito ao direito da criança a ter salvaguarda jurídica no contexto de uma situação que não escolheu ou ao direito de um casal homossexual, que não pode procriar, a emular uma família heterossexual?
Resultará evidente que a questão é complexa e merece ponderada reflexão. O seu confinamento ao descrito no projeto de Lei n.0º 278/XII/1.ª parece ser uma manta curta que deixa muitos lados a descoberto.
Sejamos claros e discutamos em conjunto:
1. Que papel e que evolução tem vindo a ter a família dita tradicional em Portugal?
2. Que papel atribuímos à diversidade de género, base da família tradicional ditada pela lei natural da procriação apenas possível entre um homem e uma mulher, na criação saudável de uma criança?
3. O que estamos dispostos a fazer para melhorar o funcionamento das instituições que têm à sua guarda crianças sem família? Como são acompanhadas? Que papel tem a diversidade de género na educação das crianças institucionalizadas? Não haverá muitas mães e poucos pais?
4. O que estamos dispostos a fazer para viabilizar processos de adoção mais expeditos e igualmente seguros?
5. O que estamos dispostos a fazer para conseguir que crianças mais velhas e não apenas bebés sejam preferencialmente adotadas?
6. Como vemos o casamento/ união de facto homossexual e que direitos lhe queremos atribuir?
Talvez a questão seja difícil de mais para ser tratada numa altura em que tantos de nós não têm condições para educar os seus filhos. Esperemos por dias mais claros.
Mas, quando o fizermos, façamo--lo sem medo, a fundo e sobretudo:
1. Sem o preconceito de que a opinião da maioria, essa "consciência social prevalecente", só sirva para esmagar os direitos das minorias;
2. Sem a exclusividade da vanguarda para os deputados parlamentares de Esquerda, ou seja, sem o anátema de que o resultado de um referendo sobre esta matéria será cativo de opiniões da maioria retrógrada e "conservadora".