Imagino o leitor comum do JN. Desorientado. Ouve falar que um secretário de Estado se demitiu/foi demitido porque queria baixar a conta da energia. Passos diz que não. "Era o que faltava". O ministro Álvaro enche o peito e mostra força no pico da sua vulnerabilidade - agora é que vai ser, preparem-se...
Corpo do artigo
Inopinadamente (fazendo jus ao seu habitual e desastrado timing) Luís Filipe Menezes aparece a dizer que o secretário de Estado tinha um problema de estilo e portanto, rua. Sim, Henrique Gomes tinha, pelos vistos, o estilo de achar que António Mexia manda de mais.
Kaput, ficou sem cabeça.
Dizia o presidente da EDP há dias, relativamente à conta dos encargos com a produção energética: "Estamos dispostos a ajudar no faseamento (da conta) desde que não coloquem em risco a nossa posição financeira". É como se os pensionistas ou funcionários públicos tivessem dito: "Não nos importamos que nos cortem os subsídios de férias e Natal este ano desde que os recebamos ao longo dos próximos três". Mexia zela pelos acionistas. Gaspar só zelou pela receita da privatização, querendo que o porco parecesse o mais gordo possível. Passos "demite-se" do jogo.
O ex-secretário de Estado da Energia preferiu dizer sempre, bem alto, que havia 600 milhões para cortar na fatura energética. Disse-o antes da privatização. Disse-o depois. E demitiu-se. Aparentemente Vítor Gaspar preferiu maximizar o encaixe chinês em vez de cortar nas "rendas eternas" a pagar à EDP, Iberdrola, Endesa, etc.. Se é assim, o ministro das Finanças só está a olhar pela sua carreira enquanto zelote do défice, deixando a conta da luz como mais um imposto em cima dos portugueses. E disto Mexia não tem culpa - foi a escolha do Governo. De Gaspar. Passos assinou de cruz.
Henrique Gomes provavelmente nem sequer chegou ao passo seguinte para demonstrar que não fazer 10 novas barragens nos pouparia 15 mil milhões de euros e evitaria uma renda durante mais de 60 anos, bastando para tal aumentar a produção das que já existem.
Mas há mais: fixe esta palavra - "cogeração". Era uma boa ideia. As fábricas vendiam à rede a energia que geravam - a preço mais elevado, claro. Resultado? Uma empresa compra energia, a preço normal, para a sua produção mas vende 100% da energia que gera no processo de fabrico, a tal "cogeração", a preço subsidiado. Nem um acerto de contas energético isto supõe... Pior: há hoje empresas que já 'faliram' no negócio base mas continuam a vender 100% de energia de "cogeração" queimando combustíveis para alimentar 'fábricas de energia subsidiada'. Esperemos que o ex-líder do PSD, Marques Mendes, novo oráculo da política portuguesa e ele próprio presidente de uma empresa ligada ao negócio da cogeração e renováveis, esclareça na TVI, com a sagacidade habitual, como se fazem estes grandes negócios...
Na verdade só a troika levou a sério o escândalo na energia. Até agora os protestos de especialistas têm sido música para os ouvidos de Mexia & Governos. Aliás, a EDP continua a dar-nos 'música'. É já no sábado que no Marquês de Pombal, em Lisboa, se vai ouvir a "Sagração da Primavera", de Stravinsky, o concerto sinfónico que a EDP 'oferece' (excelente palavra) aos portugueses. Que belo. Pena não transmitirem breves momentos, em direto, a partir da foz do Tua, uma outra sinfonia: a dinamite a explodir, de forma sincopada, a montanha e a História, para nos dar uma milionária e desnecessária barragem. O marketing empresarial é muitas vezes a propaganda mais fascista que existe.
P.S.: O advogado e professor Mário Melo Rocha, que há dias nos deixou, era uma daquelas pessoas de quem se guarda uma memória de elegância no trato e um enorme sentido do humor. Fui seu aluno de Ciência Política na Católica, do Porto, e as aulas de segunda-feira, com cachecol do FCP ao pescoço e exemplos constitucionais recheados de apartes futebolísticos, eram delirantes. A sua especialização pioneira em Ambiente garantiu-lhe certamente um lugar verde no Céu, mas com vistas para a Foz, claro.