Já desconfiávamos do cenário, dada a falta de informação disponível sobre o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) por municípios. Mas a desproporção dos números consegue ser ainda mais absurda do que as suposições de autarcas e instituições regionais deixavam antever. Lisboa concentra uma fatia de verbas do PRR que equivale à de 284 concelhos juntos. Logo a seguir vem o Porto, com apenas um terço do montante de Lisboa, e a faixa litoral norte é a que concentra mais milhões.
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As contas foram feitas pelo JN, somando projetos concelho a concelho, a partir da listagem disponível no Portal da Transparência. Confirmam em absoluto a queixa de uma "visão centralista e centralizadora do PRR", plasmada numa resolução da Associação Nacional dos Municípios aprovada há pouco mais de um ano. E mostram o quanto é útil, apesar da divulgação e fiscalização do plano, ir além do que é público e fazer leituras territoriais sobre esta matéria.
Haverá muitas razões para esta centralização de 2,2 mil milhões do bolo na capital. Desde logo o facto de muitos projetos da Administração Central estarem ali concentrados, ainda que tendo repercussões noutros locais do país. Mas não deixa de ser evidente que, ao contrário dos fundos regionais, não há no caso do PRR uma visão e programação a pensar nas regiões mais deprimidas e que mais se afastam dos níveis médios de desenvolvimento.
Sabemos que o PRR tem objetivos muito específicos e está desenhado em torno de metas com uma visão distinta dos habituais quadros comunitários. Mas um dos seus princípios é reforçar a convergência e não é fácil perceber como se converge apostando em quem já vai à frente na corrida. O crescimento económico, a transição energética e digital, a criação de redes mais sólidas entre universidades e empresas, todos estes princípios estarão comprometidos sem coesão e equilíbrio territorial. Partes enfraquecidas enfraquecem o todo. O pleonasmo não é um descuido: é um reforço do que deveria ser evidente.
Diretora do JN