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Vale a pena revisitar o discurso feito pelo primeiro-ministro (PM) no passado dia 14, no Pontal. Não porque seja um discurso estruturado, mas sim pela lógica política (programática e de ação) em que assentou, e pelo que, entretanto, vamos constatando de ausência de respostas aos grandes problemas com que se depara quem trabalha e vive em Portugal.
Luís Montenegro, enquanto líder parlamentar do PSD reclamava, com estridência, o escrutínio democrático. Em pouco tempo, tornou-se um líder agastado - e muitas vezes sofrido ao ter que dar a cara - que embirra com os jornalistas que lhe fazem perguntas. Colocou o Tribunal Constitucional (TC) sob suspeição, acusando desbragadamente os juízes. Acompanhou o Chega e a Iniciativa Liberal no ataque à Constituição da República. Dá-lhe jeito instabilizar o TC, como passo para lhe impor outra composição que facilite a desconstrução da Constituição da democracia.
O PM insiste na velha lengalenga "nós governamos para as pessoas", querendo com isso inculcar na cabeça dos cidadãos que o escrutínio aos seus atos governativos não passa de ataque político contra os interesses dos próprios cidadãos, porque quem os interpreta é exclusivamente ele (Salazar também assim entendia). A governação tem sempre como destinatários os cidadãos. A questão é saber-se, com objetividade e rigor, quem beneficiam e quem prejudicam as políticas adotadas: isso implica questionamentos, debate transparente e participação das representações coletivas - políticas, sociais, económicas e culturais - com as quais se estabiliza e faz funcionar o sistema de pesos e contrapesos que dão vida à democracia.
Percebem-se as razões porque Luís Montenegro anda com pressa. Tem consciência da sua personalidade (o caso Spinumviva terá aparições múltiplas) e, acima de tudo, sabe muito bem que o seu Governo e o programa que vai executando se amparam em forças antirregime. O amplo setor neoliberal do PSD prossegue na convicção de que tomando a agenda da extrema-direita a controla ou aniquila. Tantas vezes e em tantos países já vimos este filme, que acaba sempre mal.
O que temos hoje à vista? Um ataque brutal aos direitos no trabalho e aos fundamentos do direito do trabalho para consolidar uma política de baixos salários e de desconstrução do sistema de relações coletivas de trabalho assente em valores democráticos. Em grande medida, as alterações nas políticas de imigração associam-se a esse objetivo. O SNS está a ser crescentemente corroído por dentro, porque, apesar das críticas justificadas que muitos cidadãos lhe fazem por ser difícil o acesso em muitas situações, os portugueses têm consciência de que foi uma extraordinária conquista. A mesma estratégia de ataque vai surgir em relação à Segurança Social.
A pressa do PM mostra-nos muitos perigos, mas também pode significar fragilidade do Governo.