"A pobreza devia estar num museu." Como vestígio de um tempo imperfeito, entretanto corrigido, com que não deveríamos estar ainda a conviver. A frase é de Muhammad Yunus, cuja defesa ativa do microcrédito como instrumento de empreendedorismo no feminino lhe valeu o Prémio Nobel da Paz em 2006. A sua visão (para muitos utópica) marcou o Fórum da Sustentabilidade e Sociedade, que esta semana decorreu em Matosinhos sob organização do JN, TSF, DN e DV.
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Referindo-se ao sistema económico que cria e alimenta a pobreza, numa intervenção carregada de críticas à banca, Yunus defendeu que a transição energética de nada servirá se for feita sem uma mudança radical de paradigma. Sem substituir o objetivo do lucro por uma nova civilização baseada em valores como a confiança, a solidariedade, a tão propalada coesão social. A chave da sustentabilidade é, afinal, a sustentabilidade do ser humano a viver no planeta, obrigado para isso a salvar-se a si próprio.
A visão inspiradora de Yunus parece algo ligeiramente exótico e impossível, de tal forma implicaria uma disrupção no nosso atual modo de vida e na forma como interpretamos a noção de desenvolvimento. Mas recoloca as pessoas no centro de um debate que por vezes se esgota nos recursos, nos materiais, no planeta, numa visão marcada (e bem) pela emergência climática e ambiental, que no entanto precisa de ser complementada com a tónica social.
O tema da sustentabilidade origina muitas posições zangadas. Zangadas com as gerações antecedentes, zangadas com quem mantém hábitos que destroem recursos, zangadas com o capitalismo, zangadas com quem tenta manter algum otimismo. Há motivos para essa raiva motivada pela urgência do tema, mas talvez se introduzirmos o fator social com mais insistência estejamos forçados a procurar alternativas e a criar comunidades em que cuidamos melhor uns dos outros. A justiça social tem de estar no centro da sustentabilidade ambiental. E as pessoas que metem as mãos na massa e constroem soluções inovadoras mostram que esse mundo imaginado é possível.
*Diretora