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Jean-Claude Juncker terá insistido com os países que integram a União Europeia para que, em igualdade de circunstâncias, nomeassem uma mulher para o cargo de comissário. O Governo fez orelhas moucas ao pedido e indicou Carlos Moedas para o cargo. No parte e reparte, Portugal acabou por ficar com uma pasta menor, em termos políticos imediatos, mas de vital importância para o futuro da Europa. Admito que Carlos Moedas, a quem se reconhece inteligência e capacidade de trabalho, venha a fazer um bom lugar, mesmo quando, à partida, nada o qualifica para a pasta que lhe atribuíram. Visto de fora, é como se Juncker desse uma bofetada de luva branca em Passos Coelho: a pasta parece talhada à medida de Graça Carvalho, que havia sido ministra da Educação e, posteriormente, deputada ao Parlamento Europeu, onde fez trabalho elogiado no domínio da Ciência...
Em todo o caso, é bom que a pasta da Investigação, Ciência e Inovação tenha sido assumida por um país fora do eixo central europeu. Não porque um comissário represente um país e vá para lá para o ajudar - nesse caso, ter tido o presidente da Comissão Europeia ter-nos-ia garantido condições de resgate preferenciais! Essa leitura clubística do papel do comissário não faz sentido. No entanto, ninguém está imune ao seu contexto pelo que, na altura de definir agendas e estabelecer prioridades, é natural que, ainda que inconscientemente, Carlos Moedas pondere se aquelas coincidem com as que servem países como o seu: se as PME têm espaço para definir estratégias autónomas, se os sectores para onde os fundos fluem perpetuam a diferença ou abrem alternativas, se as dimensões dos projectos excluem ou subalternizam os mais pequenos, etc. Carlos Moedas, um liberal, foi "cair" numa área em que, não parecendo, a política impera. Ali há pouco mercado e muitas influências. Sob a linguagem aparentemente anódina e técnica dos regulamentos, condições de elegibilidade e outras que tais, escondem-se lóbis e jogos de poder dos países, sectores e empresas mais poderosas. O jogo é tudo menos equilibrado. Para criar um campo de concorrência nivelado vai ser necessário Moedas ir ao fundo do baú dos fundadores do liberalismo, onde encontrará justificação para algumas medidas, se não de discriminação positiva, pelo menos de correcção de assimetrias na grelha de partida. É uma tarefa tanto mais difícil quanto muitas das regras e regulamentos já estão feitos, reflectindo as preferências dos mais fortes e influentes. Os tais que, por o serem, se podem dar ao luxo de invocar igualdade de oportunidades para todos.
Como luxemburguês, Juncker apresentou-se, e foi apresentado, como um amigo de Portugal. O seu discurso moderado, social-democrata, fazia antever uma mudança de rumo, embora não fosse pelos discursos que Durão Barroso pecou. Perante a distribuição de pelouros fica-se a temer que venha aí mais do mesmo como, provavelmente, não poderia deixar de ser num político que cresceu nos meandros da politiquice europeia. Diz quem sabe que no topo, nas pastas que marcam a agenda da política e economia, estão os falcões e suas marionetas, arautos e executores da política que nos trouxe até aqui e que, a ser prosseguida sem correcções, conduzirá à destruição do euro. Paradoxalmente, é do Banco Central Europeu que vem, hoje, alguma réstia de esperança. Com condições que reflectem a necessidade de evitar rupturas mas que, no fundo, são razoáveis, o BCE abriu portas que não devemos menosprezar e, muito menos, recusar. Finda a disputa pela liderança socialista, seria importante que os partidos políticos confrontassem perspectivas sobre os grandes temas em que deveria haver um acordo político. Cavaco Silva pode ter, aí, o seu último grande papel, organizando debates públicos em que as várias propostas seriam apresentadas e confrontadas, para encontrar denominadores comuns e margens de convergência. Não se trataria de fazer desaparecer as diferenças de fundo mas de fazer emergir os compromissos que garantissem um rumo estável ao país e lhe dessem mais voz nos palcos internacionais. Se ficamos à espera dos amigos......