A ministra da Agricultura assinalou há uns dias, com notável sageza, que lhe estava impossibilitada a possibilidade de mandar chover, de modo a minimizar a catástrofe que, por falta de água, se aproxima da agricultura portuguesa.
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Ouvi, quase de seguida, numa estação de rádio, uma alegada especialista brasileira a jurar ser capaz de produzir chuva artificial. Problema para nós: para mandar vir chuva, são necessárias nuvens - e, notava tristemente a alegada especialista brasileira, em Portugal nem nuvens há para que os milagrosos pós da brasileira façam chover.
Esta imagem serve de pano de fundo para o que hoje se passa no nosso país: sempre que "chove", não armazenamos o suficiente para precaver o futuro; quando não "chove" resta-nos esperar por um qualquer milagre.
Olhemos para a economia. O ministro das Finanças anda com um "salazar" (a espátula com que rapamos os tachos lá em casa) na mão a apanhar, aqui, além e acolá, todos os cêntimos que pode para tapar a miríade de buracos que por aí há. É esse, bem lá no fundo, o motivo por que Vítor Gaspar compra guerras como a que mantém a propósito da gestão dos fundos comunitários, como, da mesma forma, é esse o motivo por que Pedro Passos Coelho lhe dá total cobertura.
Como chegámos aqui? Chegámos, justamente, porque quando "choveram" milhões da União Europeia, ao abrigo dessa coisa chamada coesão, Portugal deu-se ao luxo de malbaratar boa parte do capital em projetos de duvidosa rentabilidade. A formação profissional (ver páginas 28 e 29) será, porventura, o exemplo maior do deslumbre, digamos assim, com que olhámos para esse admirável (e enganador) mundo novo.
Da mesma forma, chegámos aqui porque, quando choviam milhões da banca, fomos capazes desta coisa extraordinária: em cada cinco euros emprestados, 3,5 foram gastos em construção privada e obras públicas. Só 30 cêntimos desses cinco euros foram atribuídos ao setor transformador. Por isso as famílias e o Estado se endividaram de forma tão galopante quanto perigosa. Enquanto esta estratégia gerou emprego e chorudos proveitos a um pequeno número de empresas, tudo foi andando como que se estivéssemos no melhor dos mundos. Acelerámos contra a parede - e quando ela apareceu estávamos a olhar para o espelho retrovisor, a ver se alguém vinha em nossa ajuda. Não vinha. E o estouro foi grande.
Portanto, ao contrário de outros países que como nós estão hoje com a corda na garganta, não foi nenhuma bolha imobiliária nem nenhum fragoroso despiste do setor financeiro que nos trouxe até aqui. Fomos nós que, distraídos como sempre, não reparámos que a esmola é grande, nem cuidamos de guardar parte da "chuva" que a providência nos estava a oferecer.