A Europa saiu da recessão, com a tímida retoma conseguida, em larga medida, à custa de intervenções irreplicáveis. Depois das ajudas ao sector financeiro, foi necessário socorrer a indústria, onde há excesso de capacidade instalada.
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É o caso do sector automóvel, em que a procura tem sido estimulada através dos abates de viaturas antigas. O impacto dessa política, seguida em muitos países, é efémero e irrepetível. Não há, pois, grande razão para optimismo. O mesmo sucede em Portugal. Depois de o Governo anterior ter tardado a reconhecer a dimensão da crise, como se comprova pela redução do IVA e pelos aumentos na função pública, decretados quando os alarmes já ecoavam pelo Mundo, adoptou planos de emergência e estímulos que amenizaram o impacto da recessão. Nessa circunstância, justificava-se que se relativizasse a importância do défice orçamental. Os estados devem apostar na melhoria das contas públicas quando a economia cresce, para terem reservas disponíveis para poderem valer a situações de crise.
O problema é que, agora ou num prazo razoável, será preciso reequilibrar o orçamento. Ora, esse desiderato depende da redução da despesa, através de cortes orçamentais impopulares, ou do aumento da receita. Foi por este lado, pelo aumento da carga fiscal, que Sócrates conseguiu reequilibrar as contas, antes de a crise obrigar a abrir os cordões à bolsa. Sucede, contudo, que a capacidade extractiva do Estado se esgotou. Um novo aumento da carga fiscal causaria danos irreparáveis à economia privada - às famílias e às empresas - e redundaria numa redução da receita bruta. A solução passa pelo crescimento económico sustentado, que cria empregos que aliviam a factura social e que, mesmo sem agravamento nominal de impostos, gera maiores receitas para o Estado. O drama é que não há varinha de condão que garanta esse crescimento que, no nosso caso, teria de ser feito, também, através do aumento das exportações, de forma a aliviar o défice da balança de pagamentos.
Estamos, por isso, condenados a prescindir dos benefícios imediatos no nível de vida, que a retoma poderia trazer. É prioritário aliviar a nossa dívida solidária que se espelha no défice público, produzir melhor e consumir menos (ou de forma diferente) e prescindir de direitos adquiridos que afectam a nossa competitividade. Tudo isso é possível, e eticamente defensável, se o Estado der o exemplo e for, também ele, mais frugal, se eliminar gastos supérfluos e der prioridade a projectos com impacto directo e imediato na balança comercial, como Sócrates recordou a propósito do investimento em energias renováveis, que alivia a factura energética.
O problema é que não chega recordar o que se deve fazer, quando se pratica o contrário. O pior é que, à falta de ideias, e tentando ocultar essa realidade, vai-se propondo mais e mais despesa, como se estivéssemos não à beira da bancarrota e no início de uma legislatura, mas em situação desafogada e em vésperas de eleições. Todos os partidos estão descontentes com a sua representação parlamentar, todos calculam que haverá eleições intercalares e todos sabem, também, que as más novas e as duras verdades não atraem votos. Da esquerda à direita, todos fingem que o Estado não está falido, e pode dar mais. Nesse aspecto, a mensagem de Natal de Sócrates é exemplarmente irrealista. Infelizmente, os violinos não impediram o naufrágio do "Titanic" e o TGV para Madrid pode ajudar alguns passageiros de 1.ª classe, mas não servirá de salva-vidas para todos nós.n