Os parceiros da coligação governamental estão de novo de costas voltadas. Depois do estridente episódio da TSU, em que o CDS obriga Passos Coelho a recuar na mais polémica das medidas propostas por Vítor Gaspar, com estragos visíveis na confiança entre os parceiros, parecia ter-se entrado numa fase menos tumultuosa da vida em comum.
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Tendo experimentado o conforto da opinião pública a seu lado, visível nas manifestações que envolveram centenas de milhares de pessoas contra as propostas de taxa social única, Paulo Portas sentiu que tinha posto em sentido o parceiro rival e acalmou. Tinha descolado da tremenda impopularidade que as medidas cegas impostas por Coelho e Gaspar tinham gerado no país.
De então para cá, de forma menos visível, foi mandando recados.
Falando normalmente por interposta pessoa, Paulo Portas foi continuando a marcar posição para o interior do Governo, dando azo à ideia que é já hoje um lugar-comum - a de que está com um pé dentro e outro fora do Governo. Ora dizendo que não concorda com mais agravamento dos impostos, ora defendendo uma revisão das metas impostas pela troika ou falando da prioridade do económico sobre o financeiro, Portas tem conseguido refrear, a custo, a marcha obstinada do primeiro-ministro.
O que é certo é que se tem recusado, com sucesso, a desempenhar o papel de "silent partner". A ponto de Passos Coelho se ver obrigado a sossegar a oposição interna do seu Governo com o que imaginou ser um presente envenenado - a entrega ao ministro dos Negócios Estrangeiros da responsabilidade de apresentar a reforma estrutural dos 4000 milhões que terá de ser apresentada à troika em maio.
Só que, agora, o caldo entornou-se. A remodelação governamental decidida pelo primeiro-ministro, que afinal não o chegou a ser, abriu brechas na frágil estrutura da coligação. E, também desta vez, o CDS se apressou em tornar pública a falta de sintonia com Pedro Passos Coelho. Foi com estrondo que Portas o fez sentir ao país.
Alegando motivos que ninguém descortina, simplesmente não pôs os pés na tomada de posse. E, uma vez mais, deu voz aos seus tenores para o complementarem na tomada de posição.
A vida não está nada fácil para o líder do Governo. Quando pareceria poder respirar um pouco com a renegociação das maturidades da dívida e o apoio comprometido do presidente da República, depois de ter expurgado do Governo o seu maior incómodo, fica de novo com o parceiro de coligação à perna. Só esta intranquilidade pode explicar, aliás, a cena pouco credível de convidar o líder do maior partido da Oposição para o diálogo que, logo à partida, se sabia ir ser um diálogo de surdos. O que esperava, na verdade, Passos Coelho? Que António José Seguro, depois de ter rompido formalmente com o Governo apresentando uma moção de censura e subindo a parada para a realização de eleições antecipadas, viesse agora desdizer-se? É por de mais evidente a mistificação para poder ser levada a sério essa abertura.
O que é inegável é que Paulo Portas tem feito o seu caminho. Na última sondagem publicada pelo "Expresso", o líder do CDS/PP é a segunda figura mais popular, colado a Seguro e a anos-luz de Cavaco e Passos Coelho. O líder do PSD é mesmo a mais detestada das figuras da República.
A sensação que fica é a de que Portas é o freio que trava o fundamentalismo de Gaspar e de Coelho, impedindo-os de ir ainda mais longe nas políticas desastrosas que patrocinam. Esse é o papel que tem procurado desempenhar e que, com mestria, tem procurado que se saiba.
Sobra o essencial - que conduta ética orienta um parceiro de coligação que subscreveu o mesmo programa de Governo e aceitou percorrer um mesmo caminho espinhoso? A interrogação que a todos assalta é a de saber como pode o chefe do Governo conviver e ser cúmplice deste comportamento?
A pergunta deve fazer-se, sem dúvida. Mas o que falta saber é se Pedro Passos Coelho tem condições para uma resposta inequívoca. É que aqui, como na passagem bíblica, quem nunca pecou que atire a primeira pedra.