Este ano o "regresso às aulas" começou ainda antes do ano ter terminado. Ainda andava tudo na correria dos exames e já as grandes superfícies de todas as espécies anunciavam vales de desconto para livros e chegadas de novas coleções de material escolar. As crianças e adolescentes ao meu redor nem querem ouvir falar de regresso à escola mas torturam os respetivos pais para, em tardes de nevoeiro ou nortada, os levarem ao cinema com uma passagem obrigatória pelos ditos supermercados. Claro que só se fala de lapiseiras de gel, estojos dos "One Direction" ou autocolantes decorativos. Nada a que no meu tempo vagamente se chamasse "material escolar".
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Mas o pior de tudo isto é que, ano após ano, verifico que semanas depois do início do ano letivo o desinteresse pelo dito material é total e o monte de lapiseiras estragadas, estojos sem fecho, réguas partidas, corretores secos e mil borrachas partidas em três, não para de crescer a reclamar nova investida às compras.
A mochila de um ano não serve para o ano seguinte - até porque a falta de interesse e de respeito pelas coisas faz com que chegue ao final do ano semidestruída - e tudo o que vai junto, seja estojo, guarda-chuva ou fato de treino tem o mesmo destino, ou seja o lixo.
Não ajuda, naturalmente, a invasão do mercado por mercadoria chinesa ou de outra origem a preços escandalosamente baixos. E muito menos as profissionalíssimas campanhas de marketing para lançar e escoar coleções de merchandising associadas a um qualquer sucesso musical, desportivo ou cinematográfico.
Mas a verdade é que, para além dos poderosos interesses económicos associados, há uma enraizada ausência cultural de combate ao desperdício.
O esbanjamento a que assistimos nestas idades só é muito preocupante porque toma conta de mais uma geração.
Mas nesta matéria ainda há uma área mais preocupante. A do livro escolar. Que espécie de ganância e de irresponsabilidade reguladora toma conta de editoras e Ministério, para que ano após ano todos os livros de todas as classes do Ensino Básico ao Secundário sejam diferentes?
Numa família com mais de um filho não é possível aproveitar os livros dos irmãos e nunca se consegue perceber com alguma tranquilidade qual o alinhamento das matérias nas várias disciplinas. Claro que a criatividade exigida aos autores é de tal ordem que o conteúdo dos livros é cada vez mais feérico, cada vez mais parecido com banda desenhada, cada vez mais recreativo e menos educativo.
Em nome de gerações e economias mais sustentáveis (não há de estar longe o tempo em que será condicionado o uso do papel e dos químicos por razões ambientais) é obrigatório que o Ministério da Educação estabilize pelo menos por períodos plurianuais os manuais escolares.
Reduza-se a coleção a no máximo dois livros e apenas para algumas disciplinas. Que sentido faz ser obrigatório ter, para cada disciplina, o manual, o caderno de atividades e o guia de qualquer coisa? Já alguém fez contas ao peso que as crianças carregam e ao gasto em saúde pública que aquelas posturas erradas vão causar? Parece improvável?! Não é.
Enquanto isto não acontece, que as escolas retenham obrigatoriamente os livros no final de cada ano e disponibilizem os que se aproveitarem às próximas classes adiando ou pelo menos minimizando a entrada de novos exemplares.
E quanto ao material escolar. Volte-se ao tempo da escassez saudável. Na minha escola, cada aluno contribuía para a "caixa escolar". Com esse dinheiro os professores forneciam uma coleção básica de material (lápis, caneta, borracha e régua) que tinha de durar. Só a prova de um lápis gasto dava hipótese a ter um novo. E o material era guardado na escola.
Em casa a coisa podia ser mais animada mas isso era com cada um. Não tenho dúvidas que acalmada a fúria competitiva dos garotos, que fazem da escola feira de todas as vaidades, se reduzia em muito o desperdício brutal com que todos os anos nos agredimos e agredimos o planeta.
Não é preciso voltar ao livro único e a "caixa escolar" poderia fornecer uma coleção mais generosa. Mas, em nome de um consumo florescente, não pode hipotecar-se ao limite da total falta de senso uma sustentabilidade social, económica e ambiental que a não ser cultivada nos será imposta!