Corpo do artigo
A amálgama de problemas pelos quais passa o país dispensaria bem certo tipo de ruídos de fundo. Nada resolvem; limitam-se a alimentar alguns egos e uma batalha oratória entre o desejado e o virtual.
Desmultiplicam- -se os casos de esforço inglório de entretenimento nacional sem qualquer substância. Reproduzem--se por tudo e por nada os grilos falantes - e o pior é acabarem por desviar as atenções do prioritário, um certo consenso nacional feito de esforço global na tentativa de o país evitar um beco sem saída. Claro: não se pede unanimidade; deseja- -se sim sentido de Estado e, já agora, de apego à realidade.
Os discursos de cariz pirómano- -eleitoral pululam. Basta uma pausa fora de contexto na oratória para se atribuir a uma frase marcada pela vulgaridade um impacto desmesurado. E o poder mediático não se exime a funcionar como câmara de eco de um jogo de sombras no qual participam, entretidos, governantes e opositores. A apologia da emigração como saída para a juventude - geradora de concomitante ciclo de reprovação - ou a cenarização ponderada de novas medidas de austeridade no caso do comportamento económico interno e externo se degradar são exemplos de uma inútil algaraviada...
Do ponto de vista lúdico, a poluição sonora é interessante. Mas não passa disso.
O debate sobre a reposição - ou não - dos subsídios de férias e de Natal para os funcionários públicos e pensionistas é paradigmático. Mesmo levando em linha de conta a tontice discursiva de alguns membros do Governo, incapazes de se porem num primeiro momento de acordo sobre a data para uma alegada reposição (2014? Ou 2015?), faz pouco sentido o país andar entretido - e dividido - sobre matéria para a qual, verdade nua e crua, perdeu qualquer margem de manobra de decisão. O presidente da República catalogou ontem um tal debate de "prematuro" e recordou estar a recuperação dos referidos subsídios para uma parte substancial de portugueses na pendência de algumas "variáveis".
Para a maioria dos protagonistas da vida política nacional, a avisada leitura de Cavaco Silva entrará, provavelmente, por um ouvido e sairá pelo outro. O que é sinónimo de um misto de inconsciência e de oportunismo rasteiro de um tema para o qual não há capacidade para garantir o que quer que seja.
Uma razão óbvia decorre da afirmação do presidente da República: o Mundo vive um ciclo vertiginoso, ao jeito de montanha-russa, e torna-se praticamente impossível prever o médio prazo - o curto prazo já é o que é. Mas há um elemento adicional que se tenta ignorar, num fingimento reprovável: Portugal tem a sua independência fortemente diminuída pelo programa de assistência internacional à sua economia e não respira em matéria económica fora do contexto da União Europeia. Os orçamentos do Estado têm de passar por um visto prévio das autoridades europeias e não se está a ver muito bem como, atolado em dívidas e sem crescimento económico, pode algum governo aumentar níveis de despesa para a reposição dos subsídios de férias e de Natal. Assim como assim, o melhor é não alimentar a farsa de uma autonomia que o país perdeu, sabe-se lá se para sempre.