Já nem "vamos andando". O que era um sintoma de resignação dos portugueses está a deixar de ser apenas um desabafo ensimesmado. A avaliação do último relatório da OCDE sobre bem-estar vinca na prática a regressão desse sentimento luso. Em 36 países avaliados, Portugal só é ultrapassado pela Hungria no índice de insatisfação manifestada. Ou seja: o "vamos andando" está a passar a sinónimo de "vamos de mal a pior".
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Face à degradação generalizada das condições de vida, não espanta um resultado assim tão negativo. Apanhados na teia de uma crise sem precedentes, a esmagadora maioria dos portugueses tem perdido poder aquisitivo; vê avolumar-se o desemprego e a catadupa de problemas a ele associado - da impossibilidade de satisfazer compromissos assumidos num efeito dominó a afetar a unidade familiar até à hipótese de projetar um futuro digno, agora até estilhaçado pela inflexão das garantias até há pouco dadas como adquiridas no chamado Estado social.
Como é possível sair de uma espiral de degradação desta natureza?
Há, com certeza, decisões exógenas essenciais para atenuar as nossas atuais dificuldades. Precisa-se, naturalmente, de uma Europa solidária - a qual terá as suas razões para punir os "gastadores do Sul" mas não deve continuar a defender a austeridade pela austeridade. E é difícil, por exemplo, entender como as políticas alemãs de Merkel continuam insensíveis ao impulso do consumo no seu próprio país através do aumento do poder aquisitivo dos seus cidadãos. Não por acaso, mas num ato meramente simbólico, a Comissão Europeia lançou ontem o aviso do risco de aplicação de multas à "extravagância" germânica - ou agiotagem? - ao dispor de uma previsão de excedente de conta-corrente de 7% do seu Produto para este ano (6,6% no próximo) quando as regras da UE admitem um máximo de 6%...
Sim, o gigante alemão é determinante na modelação do ritmo económico europeu e a ele está associado Portugal. Só que o desregramento das contas públicas e a dificuldade de aplicar reformas estruturais por cá não podem continuar a alimentar-nos uma vida artificial, o que obriga a mais jeito explicativo e melhores práticas da classe política dirigente nacional para apontar um rumo e uma estratégia - em ambos os casos assentes em esquemas gradativos de ajustamento.
O justificado nível de insatisfação dos portugueses plasmado nos mais recentes relatórios da OCDE - tendência para piorar...- só pode, pois, ser invertido pela conjugação das mudanças de conjuntura externa e... interna. Ora, neste plano, o queixume nacional apenas será invertido com a adequação a novos comportamentos.
Ponto-chave: o relatório da OCDE também deteta uma falta notória de participação cívica, pecha a combater.
A participação e os movimentos cívicos não satelizados precisam - e devem - crescer em Portugal. Rapidamente. As melhorias só podem surgir pelo pensamento e pela pressão exterior aos círculos instalados no poder político-partidário.