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Alguns dos principais partidos do espectro político português inscreveram nos respectivos programas eleitorais a luta contra a corrupção como um dos seus objectivos fundamentais e prioritários. Importa, porém, concretizar as medidas ditas como necessárias ao êxito desse combate porquanto, como é sabido, a corrupção fragiliza e corrói os alicerces da democracia.
Os cidadãos deixam de confiar nas instituições públicas e órgãos de soberania ficando em causa a transparência do Estado e a integridade do exercício de funções. Creio que este desígnio não se limita a combater a corruptela. A principal luta tem de ser, deve ser, contra a alta corrupção, a dos políticos e altos funcionários do Estado que decidem dos contratos milionários que favorecem empresas, sociedades e bancos a troco de chorudas benesses patrimoniais e não patrimoniais. Digo isto, porque cada vez que é noticiada uma investigação que envolve personalidades do Estado e das autarquias locais, ou de instituições públicas, de imediato alguns daqueles que clamavam por uma luta contra a corrupção vêm a terreiro desacreditar as diligências realizadas, a investigação no seu todo, questionar o desempenho dos magistrados, sugerindo alterações às leis processuais e estatutárias. Porém, ao crime de corrupção é-lhe inerente a autoria de um funcionário público ou equiparado e o legislador, ciente da gravidade e danosidade de tal ilícito para o Estado de direito, criou um diploma próprio, autónomo, visando os políticos, com penas mais graves do que as contidas no CP.
Assim sendo, por vezes as investigações chocam com o poder político. Mas o MP tem de levar a cabo o seu trabalho exclusivamente sujeito aos princípios da objectividade, legalidade e imparcialidade. De contrário, os cidadãos podem arrogar-se o direito de questionar os tribunais sobre a existência de intocáveis. A investigação destes casos é complexa e de difícil apreensão dos indícios, pelo que exige a utilização de todos os meios de prova para compreensão do fenómeno, da existência do crime, quem o praticou, como, quando e em que circunstâncias. Por isso que, o MP leva a cabo diligências de busca e apreensão, constituição de arguidos e escutas telefónicas, nomeadamente. Para obtenção de êxito nesta procura da verdade e garantia do princípio da presunção de inocência dos arguidos, é essencial o cumprimento rigoroso do segredo de justiça, o que muitas vezes não acontece, assistindo-se a inaceitáveis comentários televisivos abusivos e especulativos sobre o processo, a investigação, os magistrados responsáveis, os arguidos. São inevitáveis, na luta contra a corrupção, encontros e confrontos entre o poder judiciário e o poder político, que devem ser entendidos com normalidade e como o preço a pagar por um Estado de direito democrático solidificado, transparente, com igualdade de oportunidades para todos.
*A autora escreve segundo a antiga ortografia