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O Relatório da Transparência Internacional (TI) relativo à percepção da corrupção em Portugal, em 2024, contém algumas curiosidades e aponta caminhos para o combate ao fenómeno e causas susceptíveis de o potenciar. Dele resulta que o declínio na pontuação “foi impulsionado pela percepção de abuso de cargos públicos para benefícios privados e por fragilidades nos mecanismos de integridade pública para evitar esse abuso”. De entre os factores que terão contribuído para tal avaliação negativa, salienta o nepotismo, favorecimento político e financiamento partidário pouco transparente. Regista falhas na implementação e fiscalização dos novos mecanismos legais adoptados e na concretização de uma estratégia anticorrupção do Governo e falta de recursos para monitorizar o Executivo. Apesar das medidas anunciadas pelos últimos governos, em nada melhorarão a perspectiva expressa no Relatório. Além do anúncio de medidas parcelares e dispersas, não se detecta um plano global, organizado e coordenado, liderado por entidades absolutamente independentes que permita um combate sério quer à percepção, quer ao fenómeno corruptivo. Aliás, parece que os executivos entendem que a corrupção pode existir noutras instituições e organizações, sendo eles imunes aos ataques, fraquezas e ganância humana. Em 2021, o Conselho de Ministros (CM) criou o Mecanismo Nacional Anticorrupção, cujo presidente era nomeado em CM, sob proposta conjunta do presidente do Tribunal de Contas e do PGR. A semana passada, foi aprovado o diploma que procede à reorganização daquele mecanismo, parecendo deixar cair aquela proposta conjunta. O principal organismo de prevenção da corrupção tem natureza administrativa e os seus responsáveis máximos são de nomeação ministerial. Revisitando o relatório da TI, “Portugal ficou… abaixo da média europeia no que respeita à percepção da integridade no sector público”. A Operação Influencer é tida como um dos factores que contribuíram para o aumento da percepção da corrupção nas ligações entre política e negócios. Isto demonstra a fragilidade e o cuidado de que se deve revestir a análise sobre os níveis de corrupção efectivamente existentes. A percepção e a corrupção são realidades distintas. O inquérito sobre este processo continua em segredo de justiça e a investigação tem por objetivo apurar se houve crime e, em caso positivo, quem o cometeu. Não houvera a forte mediatização do caso e, porventura o país não seria afectado naquele índice. É por isso que se impõe uma discussão pública, serena e sem cruzadas, sobre o rigoroso diagnóstico dos níveis de corrupção em Portugal. Deverão ser relevadas as áreas mais permeáveis à sua penetração, legislar em conformidade e proceder a uma fiscalização e controlo sistemáticos dos poderes de decisão, sem, porém, constranger e delimitar a eficácia, celeridade e eficiência necessárias ao progresso da economia e à modernização da Administração Pública.
A autora escreve segundo a antiga ortografia