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Os casos de assédio sexual não serão propriamente uma novidade. No entanto, de quando em vez, ganham relevância pública devido à notoriedade dos envolvidos ou a qualquer onda noticiosa que se produz à volta de determinadas denúncias. Nos intervalos de uma pontual mediatização, essas situações lá vão fazendo o seu caminho na sombra, contando muitas vezes com o silêncio cúmplice daqueles que habitam os espaços onde esses comportamentos ilícitos se desenvolvem. Convém também assumir que, com frequência, não há qualquer inocente nessas estórias. Que deveriam ser combatidas com determinação por todos.
Por estes dias, o Reino Unido, que deveria estar concentrado no complexo dossier do Brexit, vê-se envolvido num escândalo sexual que está a abalar a classe política, particularmente o Partido Conservador. Tudo começou com a criação de uma conta no WhatsApp por parte de secretárias de Westminster destinada a partilhar histórias de comportamento indevido de deputados. E de ministros. O primeiro a ser apanhado nesta intrincada teia foi o ministro da Defesa que anteontem apresentou a sua demissão, reconhecendo que teve uma conduta "aquém dos elevados padrões" exigidos às Forças Armadas que, garante, teve "a honra de representar". O caso soma mais de uma década. Na altura, Michael Fallon terá posto a mão no joelho de uma jornalista durante um jantar protocolar. E repetiu o gesto até ser ameaçado pela visada que lhe disse que levaria "um murro na cara" se continuasse com tal atrevimento. Esse despudor custou-lhe agora o cargo. E, mais do que isso, a perda da sua reputação. Afastado do Governo, Fallon deixa de ter sob si a atenção mediática e este escândalo e eventualmente outros que possam aparecer associado a si vão decerto esmorecer. Infelizmente.
Um homem ou uma mulher que promovem assédio sexual deveriam ser sempre denunciados. E punidos. Mesmo que a linha temporal dessa denúncia seja longa relativamente aos factos. Poder-se-á argumentar que muitos desses casos são vividos no recato dos gabinetes. Fora de horas e do olhar público. Ou, então, são atirados para deslocações que muitas vezes se fazem em nome de obrigações profissionais. Portanto, serão difíceis de mapear. Se há sempre quem saiba, há também quem seja cúmplice e olhe em direção contrária, fingindo nada ver... Eis aqui a explicação para parte da propagação desses comportamentos ilícitos que, em público, merecem a crítica de todos.
Desta realidade, há ainda uma outra parte que convém acrescentar: a conivência, e muitas vezes, a proatividade daqueles a quem depois se atribui o papel de vítimas. Não será, decerto, politicamente correto afirmar que o suposto lado mais frágil se poderá constituir como agente provocador de um assédio que depressa evolui para uma relação consentida, embora mantida em segredo. Tal acontece sempre que esse jogo sexual traz benefícios para o elo mais frágil dessa relação: progressão na carreira, destaque no trabalho, ganhos financeiros... No geral, essas situações tornam-se depressa conhecidas, particularmente em contextos profissionais onde a parte visada ganha um súbito protagonismo que, em teoria, deveria pertencer a terceiros. No entanto, esses casos não são fáceis de denunciar. Porque as provas são difíceis de obter dado o secretismo que envolve cada gesto.
Numa tentativa de neutralizar este tipo de comportamento em Westminster, há quem sugira a criação de um código de conduta que trave os ímpetos sexuais dos políticos mais libertinos. A primeira-ministra britânica propôs a criação de um órgão independente para analisar as denúncias. Iniciativas que, decerto, não provocarão mudanças radicais. Porque o problema tem de começar a ser erradicado a partir de cima. Com coragem e frontalidade. Quem tutela instituições públicas ou empresas privadas deve demonstrar a sua mais musculada intolerância em relação a estes casos. De forma clara e determinada. Para isso, exige-se que aí sejam colocadas pessoas de comportamento eticamente irrepreensível. Ora, essa poderá ser precisamente a maior dificuldade...
*PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U.MINHO