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O único dado adquirido da recente cimeira europeia terá sido o predomínio alemão já que, mesmo o objectivo de redução do défice estrutural para 0,5% encalha nas divergências sobre como o calcular. É também certo que o Estado há-de ser mais comedido nas suas despesas e, se quiser continuar a desempenhar algum papel, terá de se focar mais nas funções e menos nos funcionários. Muito provavelmente vai ser preciso reequacionar prioridades e reafectar recursos. Distinguir o essencial do acessório, o inalienável do transmissível, o estratégico do circunstancial.
O respeito pela dignidade da pessoa humana é a base sobre a qual toda a política deve assentar, concretizando-se na manutenção e aperfeiçoamento de um rede social de combate à exclusão e à pobreza. Quando o desemprego atinge uma média de 14% e se multiplicam os sinais de impotência das instituições que estão no terreno, não há tempo para esperar pelo impacto das anunciadas (e quase só isso!) mudanças estruturais. Não são, ainda, os deserdados que têm estado nas manifestações. Não têm nem educação nem formação para isso. No dia em que estiverem, e a manter-se este ritmo de degradação é inevitável que venham a estar, é o próprio edifício democrático que estará em perigo.
Para além de uma componente de rendimento garantido e do correspondente esforço de inserção social, para ter impactos estruturais a política social precisa de estar intimamente articulada com a educação e a saúde e de ter uma componente de proximidade aos problemas. Como o governo aparenta ter vindo a compreender, a subsidiariedade é fundamental para a eficácia e eficiência.
Com frequência, a desinserção começa pela ausência de referências familiares ou de redes de relacionamento. Nestas circunstâncias, a doença de um filho, momentânea ou recorrente, traduz-se em absentismo sistemático e repercute-se na exclusão do mercado de trabalho ou, em alternativa, em faltas à escola de filhos mais velhos. Garantir habilitações escolares sólidas e uma infância saudável são pré-requisitos para a não reprodução do processo de exclusão. Um formato padrão na educação e nos cuidados de saúde, que trata tudo à distância e por igual, não consegue responder adequadamente àquele propósito. Quando a "a prioris" ideológicos, corporativos e centralistas, do aparelho instalado se junta a cegueira dos cortes de financiamento, o resultado só pode ser desastroso e, a prazo, muito mais oneroso. Como alguém dizia, se acha o custo de prevenir elevado, espere até ter de remediar.
A política social necessita de linhas de força e prioridades políticas nacionais que começam na dotação orçamental e abrangem desde a lógica das transferências ao valor das pensões e do rendimento mínimo e aos critérios de elegibilidade, só para mencionar alguns aspectos. O controlo e a avaliação também podem residir no governo central. Tudo o resto funciona melhor se confiarmos nas instituições de proximidade mais capazes, por exemplo, de identificar a verdadeira situação dos beneficiários e definir os apoios de que carecem. Se lhes derem margem de manobra, poderão estruturar redes de prestação de serviços que cruzem, por exemplo, um processo de inserção no mercado de trabalho com as necessidades de idosos isolados, dando a ambas as partes condições de socialização que lhes fazem falta. Com níveis de desemprego tão elevados, é uma ilusão burocrática impor a procura de emprego como critério para a manutenção do RSI. Os empregos sociais, com um complemento remuneratório, podem ser um instrumento precioso, úteis para quem os obtém, para quem usufrua dos seus préstimos e, em última instância, para a sociedade. Mesmo para aqueles que só se preocupam com as contas, sai mais barato do que lidar com as consequências de comportamentos desviantes e disruptivos. Crescer é imperativo. Não se consegue sem uma forte mobilização e sem políticas que respeitem e salvaguardem a dignidade humana. O social é a porta de entrada para a economia. A ponta da meada.