Um dos contra-argumentos mais irritantes de quem beneficia placidamente da propensão do Estado para criar riqueza em Lisboa é o de que quem ousa afrontar essa fatalidade não tem pensamento estratégico e vive acantonado numa aldeia gaulesa rodeada por muros altos e graníticos. Questionar o provincianismo da capital é, alegam essas luminárias, um ato de teimosia. E de inveja suburbana. Mas a verdade é que, a cada ano que passa, Portugal fica mais pequeno e desigual à custa desse esforço concêntrico. E por vezes são tragédias como as de Sabrosa e de Borba que nos parecem sobressaltar para lá do que produz e do que pensa Lisboa.
Corpo do artigo
Ora, a grande desvantagem em sermos um país acanhado com tiques de transatlântico é que se torna mais fácil de expor, com números, a nossa gritante ausência de horizontes geográficos. Não há justificação para que quase 80% das compras de bens e serviços do Estado sejam feitas na Área Metropolitana de Lisboa. Pior: que mais de metade dessas compras se destinem a instituições públicas sediadas no Norte e no Centro. O que um estudo da Universidade do Minho (pedido pela Associação Comercial do Porto) demonstra é que essa opção tem servido para discriminar positivamente a região mais rica do país. Engordando-a. Criando oportunidades e emprego. Esvaziando, com isso, toda a paisagem que carrega a capital num andor. Em 2016, o Estado gastou quase 3,5 mil milhões de euros nessas despesas. Não são migalhas.
Alterar a lógica de funcionamento das centrais de compras não depende de nenhuma revolução cultural nem de um referendo. Basta vontade política. Aliás, desconfio que a simples deslocalização de um terço desse montante para as regiões que verdadeiramente alimentam tamanho investimento público seria bem mais eficaz do que 20 programas de reanimação do interior e de descentralização elaborados por tecnocratas que pensam o território a partir de um gabinete com vistas para o terreiro do Paço. Comem a carne, roem os ossos e palitam os dentes. No final, vão continuar com fome.
* DIRETOR-ADJUNTO