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Que o estado de emergência sublinharia injustiças visíveis há décadas na economia, já todos sabíamos, é quase inevitável face a tamanha vaga de restrições. O que surpreende é o Governo não conseguir um decreto equilibrado para não as agravar. Quando o turismo de massas invadiu as principais cidades portuguesas, despontou, com décadas de atraso, um movimento de defesa do comércio tradicional. As lojas de rua já definhavam, varridas a eito pelos centros comerciais, no dia em que as autarquias perceberam a importância de conservar a identidade desses grandes núcleos de estabelecimentos, agora irresponsavelmente discriminados, por exemplo, em relação aos híper e até aos supermercados.
No próximo fim de semana, o comércio de rua não poderá estar aberto além das 13 horas, nos concelhos de risco mais elevado devido à covid-19, a não ser que venda bens essenciais, como as mercearias ou as padarias. Sapatarias, relojoarias, livrarias, garrafeiras, prontos a vestir e outros na mesma linha estarão de portas fechadas. Extraordinário é que poderemos comprar muitos produtos comercializados por essas lojas em qualquer hipermercado. Exceto bebidas alcoólicas, cuja venda está proibida depois das 20 horas. Nalguns casos, até passaremos a poder comprá-los a partir das 6.30 horas da manhã, porque uma cadeia de supermercados, diligentemente, decidiu passar a abrir mais cedo, presumo que para servir melhor os clientes, porque pelo bem comum não é de certeza, tendo em conta a hora a que os funcionários passam a levantar-se da cama ao sábado e ao domingo, seguramente os dias em que os outros membros das famílias estarão mais disponíveis para conviver. Se conseguiam tomar o pequeno-almoço com eles, agora nem nisso.
Claro que tudo isto é possível porque, na hora de escrever os termos do recolher obrigatório, ninguém do Governo se lembrou de proteger os setores mais desfavorecidos. Não havia necessidade. Até porque a "ditadura" do liberalismo já faz isso muito bem.
*Editor-executivo