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Uma das preciosidades que herdámos da gastronomia moura, fruto de vários séculos de ocupação muçulmana, dá pelo nome de escabeche. São básicos os ingredientes do molho: cebola às rodelas, alho, louro e azeite, para cozinhar o produto que se quiser petiscar, seja peixe, carne ou até umas beringelas fatiadas. Indispensável mesmo, e é aí que está o segredo do escabeche, é a sábia adição de vinagre, já com a frigideira fora do lume, para temperar o cozinhado, tanto mais saboroso quanto mais marinar. O vinagre é, então, capaz dessa alquimia mágica de amaciar o alimento e permitir que ele se conserve apetitoso por longo tempo, sem se deteriorar.
Um mau tempero pode fermentar o cozinhado e azedá-lo. E azedo e envinagrado é como vai meio Portugal, em particular na política, essa que nos dói a todos. E dói, porque a pobreza e as desigualdades aumentaram, a dívida pública cresceu, a emigração atingiu números históricos, o desemprego continua elevado e é subestimado, o défice orçamental não baixa dos 3%, os sinais de recuperação da economia são ténues, e valha-nos a ajudinha do Banco Central Europeu, que mantém os juros baixos no financiamento do Estado.
Na política, quando há eleições, a primeira responsabilidade do tempero é de sua excelência, que deveria limitar-se a cumprir e fazer cumprir a Constituição. O texto é simples e determina que o primeiro-ministro é "nomeado pelo presidente, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais".
Era por aí que deveria ter começado, ouvindo todos os partidos, repito todos, e são sete os que elegeram deputados. Mas só vai dar esse singelo passo a partir de terça-feira, 17 dias, dezassete, depois das eleições. Dirão alguns que ainda não tinham chegado os votos da diáspora. Mas todos sabíamos que não eram esses que iriam alterar o novo xadrez parlamentar.
O Parlamento é a pedra angular do nosso sistema político. Elegemos deputados e não um primeiro-ministro. Logo, cabe aos partidos com representação na Assembleia da República negociar e procurar entendimentos para uma solução de governo. Em democracia, não há votos nem deputados de primeira ou de segunda. São iguais e há legitimidade constitucional para todas as soluções.
Enquanto elas não chegam, esperemos sentados pelo novo Governo, seja ele qual for. Até lá, mal vão os pobres e desempregados, porque a realidade é dura, mas ainda é o único sítio onde se podem comer uns carapaus. E já que assim é, antes de escabeche que de corrida.
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