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As comissões parlamentares de inquérito fazem parte dos mecanismos de controlo e fiscalização da ação governativa pela Assembleia da República. Diz o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares (Lei n.o 5/93, de 1 de março) que estas comissões gozam dos poderes de investigação das autoridades judiciais que a estas não estejam constitucionalmente reservados. Na defesa do trabalho das comissões, argumenta-se que a audição de testemunhos e o acesso a informação e a documentos permitem um maior escrutínio público e uma mais apertada fiscalização da ação do Governo.
Como as comissões funcionam em regime aberto, argumenta-se também que nelas se criam condições para alargar o debate político à sociedade civil e envolver a opinião pública na discussão de matérias relevantes. Considera-se, por fim, que das conclusões das comissões de inquérito podem resultar projetos de resolução ou de lei que respondam aos problemas identificados, criando normas inovadoras ou alterando procedimentos que demonstraram não ser eficazes ou adequados.
Tudo bem no plano das intenções. No da concretização, há erros que mereciam ser corrigidos, bem exemplificados com a atuação, em curso, da Comissão de Inquérito ao chamado caso das gémeas.
Em primeiro lugar, a confusão entre fiscalização e escrutínio político com investigação judicial, que tem consequências negativas graves. Mimetizando muitas vezes procuradores ou inspetores policiais, o Parlamento e os deputados dão um tiro nos pés, contribuindo para a judicialização da vida política. Fazem-no sem as competências profissionais de investigação criminal, que só por acaso os deputados podem ter, o que resulta num espetáculo deprimente e desprestigiante porque caricatural.
Em segundo lugar, não são frequentemente respeitadas nem regras mínimas de funcionamento, como horários e tempos de audição, nem a urbanidade na relação entre pessoas. O que pode resultar de audições que duram, por vezes, mais de um dia de trabalho de sete horas, em que uma só pessoa é sujeita a interrogatórios massacrantes por cinco ou seis deputados, claramente desproporcionados e excessivos.
Talvez esteja na hora de a Assembleia da República parar para pensar. Fazer uma avaliação das comissões de inquérito realizadas nos últimos anos e avaliar se, com elas, foi efetivamente realizado um escrutínio da atividade governativa ou se serviram sobretudo para alimentar espetáculos mediáticos que criam reputações individuais muitas vezes à custa da judicialização populista da vida política.