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O resultado das eleições autárquicas tem sempre uma leitura nacional. Porque as estruturas dirigentes dos partidos promovem essa interpretação e porque os média nacionais privilegiam esse ângulo. Acontece que, a nível local, os eleitores tendem a votar mais em pessoas, independentemente da ligação partidária que exibem no boletim de voto. Mas num país incapaz de produzir elites políticas fora da capital, os líderes municipais não se impõem. E as autarquias locais vêm assim a sua importância nacional fortemente mitigada.
No domingo há duas câmaras que vão merecer todo o destaque: Lisboa e Porto. Na capital, não interessará tanto por quanto Fernando Medina ganha, mas importará mais por quanto Teresa Leal Coelho perde. E aqui não é apenas a candidata social-democrata que está em jogo. É, acima de tudo, Pedro Passos Coelho. E Assunção Cristas, "a atrevida" candidata do CDS que se antecipou na corrida e provocou, decerto, algum agastamento ao presidente do PSD. Ver-se derrotada por Medina constitui nesta altura uma certeza para Leal Coelho, ficar atrás de Cristas será já penoso. No Porto, as contas fazem-se entre o independente Rui Moreira e o socialista Manuel Pizarro. Os outros candidatos interessam pouco, a menos que sejam imprescindíveis para uma coligação que garanta um Executivo. Colocado à frente de uma corrida para a qual não tinha feito qualquer preparação prévia, o candidato do PS, ao sair vitorioso destas eleições, permitiria a António Costa um outro fôlego para ser considerado um dos grandes vencedores desta noite. Porque, apurados todos os resultados, não serão os autarcas que sobressairão, se daqui retirarmos os casos de Lisboa e do Porto. Serão os líderes dos partidos. Porque, em Portugal, o poder local não tem expressão nacional. Por culpa dos próprios edis e dos média com redação central em Lisboa.
Apurados os resultados, não serão os autarcas que sobressairão. Serão os líderes dos partidos...
Por estes dias, conhecemos muitos candidatos, mas ficamos a saber muito pouco sobre o seu programa de ação. Quem seguiu esta campanha pela televisão, apercebeu-se que este tempo serviu, sobretudo, para os líderes partidários dizer o que pensam do Governo, enquadrados em planos em que os seus candidatos apareciam como uma espécie de emplastro. Aqui e ali, um ou outro sobressaiu, ora devido ao registo risível dos respetivos cartazes ou à excentricidade dos brindes que ofereciam, ora porque se integraram num grupo a que uma publicação jornalística designou como "os candidatos e candidatas às autárquicas mais sexy de 2017". Neste contexto, muitos apontarão o dedo aos repórteres, sobretudo aos de televisão, que apenas destacam as figuras nacionais nas suas peças. Em parte, é verdade. No entanto, convém aprofundar as causas dessa seleção noticiosa.
Olhando para o conjunto dos autarcas do nosso país, quais são aqueles que conquistaram uma projeção nacional? A resposta é óbvia. Vamos pensar esta espiral de silêncio no espaço público (mediático) por outro ângulo: nestes últimos quatro anos, quais os municípios que criaram uma marca que se constituiu como uma referência no país? Bom... talvez seja melhor equacionar esta dificuldade de impor o local ao nacional de outro modo: quais os autarcas que, neste tempo, foram parte ativa na política partidária nacional? Através destas questões, facilmente se constata que os média apenas exacerbam tendências que o sistema político não tem conseguido neutralizar. Com consequências gravíssimas no aprofundamento das assimetrias que todos conhecemos.
Depois de amanhã, os eleitores que votam para as estruturas locais privilegiarão as pessoas que se apresentam a sufrágio mais do que os partidos que as sustentam. Por isso, em concelhos tradicionalmente de Esquerda podemos ter uma vitória de um candidato de Direita ou o contrário, mas disso não se ocupará o comentário político. Na noite eleitoral dos média, importarão, acima de tudo, as leituras nacionais. Era preciso, pois, introduzir algumas variações no modo como vamos interpretar os resultados. Porque o país que somos não pode ser olhado apenas a partir de um ponto central. Precisamos também de fazer assentar os nossos protocolos de leitura numa realidade mais local. Para sermos mais assertivos nas nossas análises.
* PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA U. MINHO