Quando esta semana Francisco Louçã apresentou a moção de censura do Bloco lembrei-me dos anos da brasa da revolução, em que a Extrema-Esquerda exultava sempre que na guerra da rua, manifs e contra -manifs, conseguia infligir uma derrota aos "revisionistas" do PCP.
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Nesses tempos em que os corredores das Universidades - e até algumas salas de aula - eram verdadeiros laboratórios de ciência política e de técnicas de manipulação de massas, o PCP era um grande partido operário, com grande aceitação nos sectores intelectuais, e a Extrema-Esquerda - UDP, LCI e outros - estava reduzida, na boca dos comunistas, à condição de "grupelhos esquerdistas".
O tempo passou, os "grupelhos" estão na sua maioria reunidos no Bloco de Esquerda, com uma sólida representação conseguida mercê da capacidade de atrair descontentes do PS e do PCP. Com o passar do tempo e, sobretudo, com o crescimento do Bloco, poder-se-ia pensar que os objectivos eram outros. Mas o que se viu esta semana foi um Francisco Louçã regressado à rua e à puberdade política, gozando, simultaneamente, com duas coisas: poder engasgar o revisionista Jerónimo, que se preparava para, em breve, apresentar uma moção de censura que o próprio Louçã já descredibilizara; e poder dirigir-se ao primeiro-ministro e aos deputados de Portugal não já para gritar uma palavra de ordem mas para soltar o anúncio de que a primeira moção de censura era a sua. Como recreação teatral dos idos do Verão Quente a peça poderia ser boa, mas o palco não era o ideal. Como episódio político digno do século XXI é do pior, e o tempo dirá se os que foram chegando ao Bloco ao longo dos anos terão gostado tanto do episódio - por muito que queiram apear Sócrates - quanto os militantes que acompanham Louçã desde os tempos da LCI.
Pense-se o que se pensar do Governo, a verdade é que a moção não faz sentido.
Ao PSD, o Bloco dá uma de duas coisas: ou o rápido acesso ao poder, se houver eleições e ganhar; ou o reforço do papel de fiel da balança, que os sociais-democratas reforçarão ao recusarem empurrar o país para eleições; ao PCP dá um trunfo: o de poder com este caso reclamar, mais uma vez, a irresponsabilidade do Bloco, os seus desvios infantis; ao PS, perante o mais que previsível bom senso do PSD, Francisco Louçã terá dado algum oxigénio, a tranquilidade de uns quantos dias mais, provavelmente até ao próximo Orçamento.
Alguns dirigentes do Bloco já terão percebido isto mesmo. O que nem eles nem ninguém percebeu ainda é o que terá levado o líder do partido a anunciar a censura ao Governo com um mês de antecedência e antes mesmo de a Comissão Europeia aprovar um conjunto de medidas económicas estruturantes de grande importância para a União, e, sobretudo, para Portugal. Na terça-feira se verá o que diz o PSD, mas Passos Coelho poderia ter antecipado a decisão: a infantilidade de Louçã não merece tanta perda de tempo e a afirmação do PSD como líder da Oposição também passa por deixar claro que os timings da queda de Governo e da solidificação de uma alternativa credível não podem estar à mercê de um (apesar de tudo) pequeno partido de Extrema-Esquerda.
PS - Quando em todos os partidos houver gente disponível e corajosa para dizer o que pensa pela sua própria cabeça e apontar os erros do seu próprio partido, a Democracia dará uns passos em frente. Daniel Oliveira fez, anteontem, na SIC, possivelmente a mais dura crítica por estes dias endereçada a Louçã, sem, obviamente, cuidar de saber o que isso lhe acarretará. Um raro e excelente exemplo.