Como o Brasil se reescreve em Portugal
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“A literatura é a prova de que a vida não basta”, escreveu Ferreira Gullar. Será que é por isso que tantos artistas brasileiros escolham Portugal como palco para continuar a escrever as suas vidas?
Mais do que um movimento migratório, a presença brasileira em terras lusas representa um momento de singularidade na história da língua portuguesa: um tempo em que artistas e público, e entre eles leitores e escritores, vindos de diferentes margens do Atlântico, se encontram para ressignificar o tempo usando o idioma comum.
O Brasil chega a Portugal com a sua energia criativa e plural, e com ele vem um novo fôlego para a literatura. Nas universidades, nos festivais, nos cafés literários, há uma fusão vibrante de vozes, estilos e experiências. As escritoras brasileiras chegam mais depressa a nossa casa que os livros delas às nossas livrarias
O que antes era visto como centro e periferia não existe mais num mundo em permanente mobilidade e transforma-se num tecido de interdependência. A literatura lusófona não é mais um espelho de identidades fixas, mas um fluxo de afetos, tensões e descobertas compartilhadas.
Esse intercâmbio não é apenas literário - é existencial. O português falado no Brasil reverbera em Lisboa, Porto, Coimbra, como se cada sílaba carregasse uma memória da travessia; e, ao mesmo tempo o desejo de conhecer escritores (e criadores) portugueses ganha fôlego no Brasil.
Dos dois lados os escritores da língua, em Portugal e no Brasil (precisamos de muito mais África), tornam-se cronistas dessa travessia contemporânea, compondo, com os colegas portugueses, uma nova cartografia da língua. A literatura agradece.