Corpo do artigo
Sendo verdade que a rota preferencial do Governo de Passos Coelho tem passado por intermináveis viagens Lisboa/Berlim/Lisboa, também me parece evidente que o Executivo nunca chegou a levantar voo com o interesse nacional na agenda. Quando anunciou a privatização total da TAP sem que essa fosse uma exigência clara da troika, em 2011, fez-se luz sobre a verdadeira intenção ou sobre a dignidade do serviço de terra queimada do Governo português: alienar mais um sector estratégico da economia nacional, percorrendo um caminho turvo, negocialmente inapto, repleto de vontades muitas e de razões poucas. No momento em que a greve dos pilotos da TAP mais se assemelha ao braço armado de um Governo em piloto semi-automático, a senha persecutória da alienação a privados é como o requiem de um condenado por antecipação. Mas estamos condenados a vender a TAP, porquê? A razão pela qual o Governo insiste na privatização da companhia sem ouvir os ecos do país e as razões que sobejam em sentido contrário é suspeita. Porque tem que haver suspeição quando se procura tão afincadamente apressar o processo de alienação em fim de mandato, com duvidosa legitimidade política tendo em conta o grau de importância desta empresa pública.
Para o futuro e coesão interna da TAP, a greve de 10 dias promovida pelo Sindicato dos Pilotos da Aviação Civil é quase pior que a guerra dos 6 dias no conflito israelo-árabe. O ataque israelita na península de Sinai e zonas adjacentes foi um dos motores de cisão dos Estados Árabes face ao Ocidente, com consequências irreparáveis à época. Até hoje. O problema da TAP é que pode não haver amanhã. Face à decisão umbiguista, dúbia e amplamente irresponsável por parte do Sindicato dos Pilotos, não se podem fazer só contas simples entre o deve e o haver, já que há todo um processo interno de quebra de coesão e paz social dentro da companhia que os pilotos (uma parte deles, para ser justo) não consideraram minimamente relevante. Ou se consideraram, pior ainda (caso em que a viagem é mesmo de não regresso). É absolutamente inaceitável que, no actual momento em que espectro da privatização assombra, os pilotos avancem para uma greve desta dimensão, apontando no sentido da privatização da companhia e quebrando os laços de solidariedade com os seus colegas de empresa que já haviam sido levados ao engano, em Dezembro, com a sabotagem governamental dos seus planos de greve pela crença em promessas demagógicas.
Estamos hoje no dia 5. Justamente no centro do furacão do período de 10 dias avançado pelos pilotos. Esta greve, malévola, a favor da privatização da TAP e realizada pelo elo mais forte dos trabalhadores da empresa, não esconde as suas motivações e fragilidades. É um exercício de pilotagem de greve. Dando o processo de privatização como um dado adquirido e de braço dado com o Governo, procura recolher os benefícios prometidos pela futura alienação, ou seja, entre 10% a 20% das acções da empresa ou a devolução dos quatro anos de diuturnidades suspensas pelo Orçamento do Estado (que, já agora, toca a todos). Manifestamente a milhas dos seus colegas de empresa, cavam o fosso da companhia e saltam do avião com pára-quedas e a distância segura do solo. De facto, já não é uma questão do número de pilotos em cabina ou de testes psicotécnicos periódicos. Com colegas assim não pode haver co-pilotagem.
Os negócios ruinosos e megalómanos, como a compra da VEM no Brasil e a imaginação do hub lisboeta acabaram por sobredimensionar a empresa, expondo-a ao risco e são apenas mais um reflexo da especulação ideológica que os agentes políticos e financeiros esgrimiram selvaticamente nestes últimos anos em Portugal. Ainda que os pilotos possam exigir o cumprimento das promessas que o ministro do Equipamento agora nega, a questão não pode ser outra senão a sobrevivência da empresa e da sua solidariedade interna. É que ainda vamos ouvir argumentos da mais avançada técnica demagógica aérea sobre o favor que esta greve faz à luta pela não privatização da TAP: dirão que, perante esta situação, até os potenciais compradores da TAP se afastam... E assim se condena a TAP ao desastre de ser vendida por tostões ou oferecida com excesso de bagagem low-cost. A caixa negra da TAP terá muito a revelar caso venha a ser encontrada.
O autor escreve segundo a antiga ortografia