Jogávamos na minha rua com um tipo janota, adesivo e arrogante. Quando o jogo não lhe corria bem, pegava na bola e o jogo acabava ali. Ele era o dono da bola e sem bola não havia jogo.
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Andámos assim, larga temporada, até que nos entendemos e comprámos uma nova. Aquela bola, a dele, era o mito de que não havia outra.
Lembro-me dele nas caras de cada um dos atores políticos que temos em cena, na perspetiva de um Governo que, seja qual for o arranjo parlamentar, será frágil e de curto prazo. Podem os mal- -afortunados gregos ter todos os defeitos, mas ao terceiro dia já tinham Governo. Por cá, e por vontade de sua excelência, vimos da mais longa campanha eleitoral de sempre e parece que alguns lhe tomaram o gosto. O povo mandou que se tocasse a reunir, PSD e CDS insistem no malhão, PCP e Bloco de Esquerda reclamam um vira, e António Costa ensaia o PS na dança do ventre. Passou uma semana, e a próxima não promete melhor. Assim vamos continuar, por largos meses, reféns da instabilidade.
Vencedores no domingo e bola na cabeça, Passos e Portas já deveriam ter compreendido que perderam 700 mil votos em quatro anos, que governar em minoria exige negociação e cedências, e perceber que 62% dos eleitores manifestaram o desejo de mudança da política económica. Caber-lhes-ia a humildade de descer do andor e estender a mão para pontes e entendimentos. Mas não.
De caminho, desenha-se um Governo com maioria de Esquerda. É possível? É. Mas pouco provável. Com um sarilho em casa, Costa é o dono destoutra bola. Faz prova de vida e jogo de cintura. Está acossado à Esquerda, que lhe lembra que dois terços dos portugueses votaram contra a austeridade, e à Direita que o acusa de querer ganhar na secretaria o que não ganhou no país.
De fora, entretanto, chegou o recado. Até dia 15 espera-se, no Eurogrupo, por um plano orçamental português. Pode, claro, ser depois ajustado. Mas são os parceiros da Zona Euro, em nome dos nossos credores, a lembrar-nos que vivemos em regime de rédea curta e soberania limitada. E aí está a outra bola. Falta saber quem vai a Bruxelas.
Acontece que o jogo, para a maioria dos que votam, é garantir trabalho e pão na mesa. E neste comezinho, os nossos jogadores desiludem. Encandeados pelas luzes e pelos cânticos de bancada dos seus, uns e outros estrebucham. Oxalá percebam porque é que a maioria absoluta dos portugueses, os que se abstiveram, já não dá para isto. Previne a minha sogra que não se fazem morcelas sem sangue.
*DIRETOR