Voltei à Gulbenkian para ver com tempo e a atenção devida a exposição "Complexo Brasil" com curadoria de José Miguel Wisnik, Milena Britto e Guilherme Wisnik, um impressionante conjunto de obras de arte que nos ajudam a problematizar a história do Brasil, seus povos e suas culturas, mas também a sua relação com Portugal. Há pintura, escultura, vídeo, fotografia, instalações, objetos e música, de várias épocas e origens, de uma curadoria impecável, numa exposição que faz jus à diversidade e complexidade daquele país continental.
O início da exposição é dedicado aos povos originários, às culturas indígenas, ao colonialismo português e seu ímpeto evangelizador e violento, à relação desses povos com a floresta e a importância dessa sinergia para a proteção do pulmão do Mundo. Depois há espaço para a história da escravatura, com uma impressionante videoinfografia sobre o tráfico negreiro português e brasileiro (pós-independência), que tem como mote a frase reescrita "Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas dos escravizados" e que é demonstrativo da dimensão e da brutalidade da transferência populacional de África para o Brasil, para engrossar a mão de obra da agricultura e do minério.
As identidades afro-brasileiras, a negritude, a luta contra o racismo, o compromisso dos povos negros com a sobrevivência numa sociedade ainda muito estruturada pelo esclavagismo colonial, a representação dos corpos negros (o seu poder e beleza, mas também o seu genocídio) são temas com amplo destaque, num percurso expositivo que nos leva pela mão por entre temas muito densos, de uma forma quase lúdica, pelo prazer convocado pela exuberância das cores, pela omnipresença da música e pela surpresa constante com a variedade de linguagens, suportes, tempos e formatos.
Evoca-se o Brasil histórico, ascético, ancestral e iconográfico, para tomar como objeto poliédrico o Brasil contemporâneo, sempre no eixo passado-presente, para não descurar o impacto das dinâmicas históricas, na forma como hoje funciona a sociedade brasileira. Fala-se de paisagem, de território, de arquitetura, das tensões urbanas, da construção de Brasília como o símbolo de um projeto de país sonhado, para depois fazer desembocar a exposição nos modos de viver, nos quotidianos, nos lugares, e acabar com as gentes, os rostos, a diversidade do povo brasileiro. É uma experiência imperdível, até pela grande virtude de fazer da omnipresença da música (enquanto celebração da cultura brasileira) uma rutura com a solenidade silenciosa que habitualmente engessa os espaços museológicos.

