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Existem dois tipos de pessoas: doentes cardíacos e doentes não cardíacos. Metade das pessoas do mundo vai morrer por doença cardiovascular. A outra metade de causa diferente. Uma certeza: todas as pessoas morrerão. E nós "morremos a rir" com o testemunho do nosso doente médico.
Recentemente a faculdade de Medicina de Lisboa juntou, no seu instituto de medicina preventiva e saúde pública, diferentes stakeholders, representantes de instituições e academias, para discutir as recomendações para a prevenção cardiovascular. Destaco uma área chave na reunião: a comunicação em saúde. Depois deste tema, o stakeholder determinante: o doente, além de médico, classifica-se - para rirmos - que não é psicopata, mas um cardiopata.
A minha relação com este doente vem de trás, com uma elevada carga emocional pelo seu perfil como ser humano e sentido peculiar de humor. Um psiquiatra, no tempo em que ele dirigia o Hospital Júlio de Matos, e no qual a saúde se focava mais na humanização e menos nos custos. Era a qualidade de vida do doente (mental) que estava em jogo. E jogava-se, de pintura à poesia. Na reunião, o doente, tema central da discussão, falou da sua experiência logo depois do tópico da comunicação em saúde e começou por afirmar "Sou doente. Não sou psicopata, sou cardiopata". Morremos a rir. Mencionou que antes considerava os cardiologistas uns terroristas, daquele tipo que mete medo aos doentes. Lei famosa de Murphy: se alguma coisa tem tendência a correr mal - na saúde - vai correr mal de certeza. O que é que precisamos de comunicar às pessoas que acham que com elas nunca acontecerá um evento cardiovascular. Leia-se na linguagem popular: um enfarte ou ataque? E que não adere à terapêutica? A importância da polipill (várias substâncias num só comprimido). À luz da CS eu e o doente sublinhamos 3 aspetos a reter: 1. O conhecimento. É necessário que o doente conheça os riscos. 2. Os skills ou competências, o doente tem que aprender e reter as suas capacidades. 3. A atitude, que se traduz no ponto que permite ao doente mudar e onde a comunicação é determinante para adoção de comportamentos mais saudáveis. Tipo saber morrer a rir, informando e comunicando a sua experiência aos outros. Mobilizando-os, ajudando-os a não ter medo de morrer. É neste cenário que esta magia da comunicação em saúde reina, dar às pessoas o dom da decisão e a sabedoria para distinguir o melhor e o pior caminho para morrer. Apenas de forma menos informada e mais descuidada ou o seu inverso. Afinal todos morremos um dia. A única certeza.
*Professora Auxiliar Convidada e Investigadora em Comunicação em Saúde, IMPSP - Faculdade de Medicina, ULisboa