Em intervalos variáveis de tempo, os média noticiosos lá agitam a nossa atenção com determinados surtos. Nos últimos tempos, passámos pelo zika, pela legionela, pela gripe... e agora imobilizamo-nos no sarampo. Direção-Geral da Saúde e Ministério da Saúde avançaram para a primeira linha dos esclarecimentos. Fizeram bem, mas impõe-se alguma renovação das estratégias de comunicação. Também seria importante tornar a linha de noticiabilidade mais contínua. Estes casos não devem desaparecer subitamente do espaço noticioso. A esse nível, fontes de informação e jornalistas podem ser importantes promotores de uma literacia da saúde ao serviço de um maior esclarecimento de situações que colocam em risco a saúde pública.
Corpo do artigo
Apresentando-se como vetores estruturantes na construção das agendas pública e política, os meios de Comunicação Social são decisivos nas perceções dos cidadãos acerca da saúde e da doença, podendo interferir na tomada de decisões e no envolvimento cívico em torno de determinadas situações. Autores da comunicação da saúde como Hodgetts, Schwitzer, Viswanath ou Zarcadoolas têm vindo a assinalar reiteradamente o modo como os média se assumem como elementos centrais em qualquer intervenção de saúde pública.
Acontece que o campo mediático tem passado por contínuas metamorfoses. Por exemplo, hoje uma empresa de televisão não encontra no noticiário das 20 horas o seu elemento central. É preciso levar em conta outros produtos: canais no cabo, sites, contas em redes sociais... Neste novo ecossistema de convergência tecnológica e de conteúdos, quem pensa a comunicação de situações de risco tem de encontrar modos de se integrar em diferentes plataformas a fim de chegar ao maior número de pessoas.
Durante muitos anos, o diretor-geral da Saúde Francisco George assumiu-se como um exemplo eficaz de comunicação. A sua sucessora Graça Freitas tem o enorme desafio de fazer permanecer essa marca na DGS. A nova diretora-geral da Saúde deve continuar a informar em permanência a população através de um discurso rigoroso, esclarecedor e empático. E, a partir de agora, precisa de criar no interior da instituição que dirige estratégias de comunicação ajustadas às diversas plataformas através das quais os cidadãos se informam. Também o Ministério da Saúde deve acompanhar essa evolução. Ministro e secretários de Estado precisam de se coordenar em permanência com as autoridades de Saúde, mas necessitam igualmente de promover outras formas de comunicar com a população. Nada disso é possível sem uma organização devidamente estruturada da comunicação de risco. E sem uma estratégia dirigida para a prevenção.
Portugal tem um substancial défice em termos de informação noticiosa acerca da prevenção. É isso que ressalta de um estudo que tenho em mãos sobre a mediatização da saúde. Nos três últimos anos, os jornais diários portugueses, em 7353 artigos de saúde, publicaram 493 sobre esse tópico, em textos de pequena e média dimensão. Valorizaram mais as situações de crise: 1170 textos jornalísticos. No entanto, à intensa noticiabilidade que um caso desencadeia em determinado momento, sucede um súbito apagamento do tema do espaço noticioso. Quem se lembra do zika ou do surto de legionela de Vila Franca de Xira, o terceiro mais grave em todo o Mundo, segundo a OMS?
Por estes dias, continuaremos a ouvir falar do sarampo. Por pouco tempo mais, porque as ondas noticiosas não coabitam umas com as outras. É um problema do nosso jornalismo. Também reflete uma dificuldade das fontes de informação em saber prolongar a noticiabilidade. Precisamos, pois, de fazer algum caminho nos campos da comunicação e do jornalismo da saúde. Nas academias a área exige um estudo mais alargado; nas redações é necessário dar mais espaço ao conjunto (restrito) de jornalistas especializados neste campo; nas instituições é urgente formar as fontes de informação para falar melhor com os média noticiosos, nomeadamente aquelas para quem isso é uma obrigação. Há mesmo um longo caminho para comunicar eficazmente a saúde que queremos para todos.
* PROFESSORA ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE MINHO